Frente, um debate recheado de nuances

Sempre releio uma frase inspiradora do Chê quando me vejo envolvido no debate de frentes políticas, sejam internas ou externas: “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”.
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“Sonha e serás livre de espírito…

Luta e serás livre na vida!!!

(Chê Guevara)

Por Sebastián Ocáriz Archer – Há tempos deixamos de lado o debate sobre as verdadeiras frentes políticas, sempre circunscritas a pontualidade conjuntural da demanda estabelecida pelos seus pretensos líderes do momento.

No Brasil das transições democráticas, inconclusas, esquecemos que a tal liberdade propagada nunca chegou às periferias, assim como os tais direitos e garantias fundamentais mencionados na Constituição de 1988. A constituição que deveria consagrar a cidadania, derrubando o muro da representação, duplamente distorcida no congresso nacional, e afirmar a participação coletiva na disputa por projetos de ruptura com o patrimonialismo calcificado na estrutura do Estado brasileiro, ficou no meio do caminho, entre pedras.

Sempre é bom lembrar da ditadura Vargas, dos seus calabouços repressivos, seus hediondos crimes, onde a deportação de Olga Benário e Elisa Soborovsk Asabo Berger, é um dos seus tantos atos covardes e um atentado aos direitos humanos, sem considerar o caso Tabocof. Este último, único relato de um período de “normalidade institucional” ocorrido entre os anos 1952 e 1954, na Comissão da Verdade. Comissão totalmente descaracterizada pelo desgoverno dos diplomas falsificados, dos sem livros, dos sem cultura e linhagem verborrágica chula.

Como esquecer, neste momento de reflexões e de constituições alternativas, os personagens que enveredaram pela trilha recorrente do golpismo financiado, para aniquilar um governo modestamente reformista e, principalmente, a transição democrática, repito, sempre inconclusa. Afirmando assim, a lógica da distensão golberiana, indutora, neste momento, da necessária sístole, na intensidade necessária para implementar o projeto “Ponte para o futuro” (precipício), logo após o impeachment fabricado e amparo dos poderes já desconstituídos.

Certamente em 2016 se iniciou, para surpresa de todos, espanto de alguns e aviso de outros, o maior retrocesso histórico do país, em um espaço de tempo curtíssimo, com seu tripé básico, o teto de gastos, o fim do regime de partilha do pré-sal e a reforma trabalhista (ou escravagista!). Há ainda quem encontre direitos civis e políticos em população desempregada, desamparada, assassinada, antes da pandemia e neste exato momento de genocídio configurado e naturalizado de mais de 111 mil mortes oficiais e 333 mil óbitos supostamente escondidos para evitar pânicos e fazer valer a flexibilização do mercado, marcado para matar e controlar.

É verdade lutamos muito contra o arrocho salarial, contra a censura, contra a tortura, contra os assassinatos, os desaparecimentos. Mais uma razão para entendermos o valor real da liberdade, da participação e da disputa política civilizada em uma democracia, sem bases estruturais sólidas. Aqui reside uma divergência, em um tema sempre relegado à um segundo plano na maioria das agremiações partidárias, quando hipervalorizam o processo eleitoral passivo da representação, sempre distanciada da participação direta.

Pelo motivo acima em 2002, não entendemos que se encerrava um ciclo liberal e neoliberal, inciado por Tancredo Neves, um conciliador natural com o campo retrógrado em 1984. Uma “aliança democrática” que permitiu frear a tendência ascendente do movimento pelas “Diretas Já”, as reformas estruturais, resgatadas do período que antecede a ditadura militar civil iniciada em 1964. Lembrar das reformas de base, é lembrar de Jango.

Repito, a distensão goberiana institucionalizou o limite dos avanços democráticos, sejam eles políticos, culturais, sociais e econômicos. O famigerado Pacote de abril de 1977 garantiu mais do que uma vitória eleitoral do regime ditatorial em 1978, pois preparou as bases de uma distensão lenta, gradual e segura, com uma domesticada transição democrática com Sarney, depois Collor e, encerrando o ciclo não compreendido, com FHC por duas vezes. O governo Itamar merece reflexões mais profundas, em seu curto espaço de tempo, se considerarmos que na ausência de disputa política se afirma o neoliberalismo clássico via hegemonia dos tucanos que por 8 anos afirmou e reafirmou a financeirização, a concentração de renda e patrimônio, a isenção tributária de lucros e dividendos, a exclusão naturalizada, para muito além das privatizações partilhadas e doadas.

Foi neste terreno minado, sempre minado, dos anos 1980 que surgiu o PT. Um PT com raízes sedimentadas nas comunidades eclesiásticas de base, no chão das fábricas, nas salas das escolas e universidades, nas periferias. Hoje tão distantes, como distante ficou a democracia interna com a retirada do poder coletivo dos núcleos de base em 1994.

Sempre releio uma frase inspiradora do Chê quando me vejo envolvido no debate de frentes políticas, sejam internas ou externas: “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. A considero mais correta para demarcar campo com os inimigos internos e externos da democracia golpeada e eleitoreira presente, em particular neste momento.

A única arma do povo será sempre sua consciência plena da sua necessária emancipação, para assim participar diretamente do destino coletivo do seu país.

Claro ficou, neste golpe, o passivo existente para consolidarmos a democracia, acumulado ao longo de processos eleitorais que andaram retirando gradativamente direitos de uma população já desassistida e carregando deveres aos potenciais escravos deste novo cenário laboral digital. Precedidas por privatizações, terceirizações e quarteirizações, ao longo destes 42 anos de desconstitucionalização institucional, o Estado Patrimonialista, sempre autoritário e excludente, em sua relações sociais e econômicas, afiançou a permanência de uma representação propositalmente distorcida do congresso nacional desde o Império, onde foi formatado para servir à poucos ou pouquíssimos!

Este é nosso Brasil ou Brazyl neocolonial, retomado pelo conservadorismo primitivo, violento, violador de mais e mais direitos e garantias fundamentais, uma vez mais a retroceder com atos e em atos. Um Brazyl que espera privatizar tudo e desestatizar a sobra, o sopro, a brisa, a brasa, já que a água regulada agora, teve sua porteira aberta em 2007. Energia, transporte, comunicação, minerais, petróleo, saneamento, educação, saúde foram para o espaço privado, para afirmar a mercantilização do “era” ou “seria” um dever do Estado, do que “era” ou “seria” um direito de todos os cidadãos, de uma constituição que deixou de ser da cidadania há tempos.

Entre tantos complementos à fazer, a área militar sempre foi motivo de preocupação natural, muito embora seus pronunciamentos regulares partam sempre do pessoal de pijama, livres de cobranças judiciais ou políticas, por seus vínculos diretos e indiretos com a corrupção, tortura, desaparecimento, até de documentos importantes dos tantos períodos ditatoriais.

Assim sendo, o #Recruta00, perdoado pelos seus crimes na corporação militar, continuará escandalizando o mundo, enquanto seus financiadores e avalistas permitirem, até encontrarem uma saída institucional ordenada e palatável para apresentar ao rebanho, digo, sociedade. Naturalmente, sem comprometer o ajuste fiscal perseguido pelo neoliberalismo, mesmo em voláteis tempos pandêmicos sanfonados!

O desmonte do Estado de Direito, mesmo que de poucos, foi concluído em sua etapa inicial, ajudada por medidas anteriores ao golpe. A abertura de uma imensa porteira de terceirizações e quarteirizações, para além das privatizações, permitiu viabilizar em menos de 2 anos, no desgoverno Temer, o maior retrocesso político, cultural, social e econômico, repito, da história republicana.

Aproxima-se a fase do balanço. O famoso período das avaliações de um desgoverno, de um golpe sedimentado, pouco consistente em questões estruturais e suficiente conservador e cuidadoso no tratamento dos assuntos pertinentes à elite dominante. Contradições internas se apresentam e se diluem, ao sabor dos interesses mesquinhos e particulares. As 3 presidências, Senado, Câmara e Supremo, muitas vezes atacadas diretamente, se contentam em moderar a permissividade espalhada com algumas prisões pontuais e secundárias. Os poderes desconstituídos no golpe não assumem o fim de um ciclo, o das institucionalidades aparentes, herdadas do Império!

A cidadania individualizada e digitalizada aguarda a cidadania coletivizada e emancipada, com líderes que compreendam o real papel da representação, sabendo que o cheque em branco fica do outro lado…

Por Sebastián Ocáriz Archer, ativista digital, comentarista do Rio Debate na Rádio Metropolitana Rio e O Cafezinho, membro da coordenação do setorial estadual de saúde PT/RJ, administrador público.

Sempre releio uma frase inspiradora do Chê quando me vejo envolvido no debate de frentes políticas, sejam internas ou externas: “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”.