Fórum Social Mundial: é lançada a nova estratégia do PT para a defesa de Lula

Lula e Dilma
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Na tarde da última quinta-feira (15), no Fórum Social Mundial, o Partido dos Trabalhadores (PT) deu a largada na nova etapa da campanha em defesa de Lula. Diante da iminente prisão do ex-presidente, já condenado em segunda instância, tudo indica que o partido pretende mergulhar numa estratégia de internacionalização da questão Lula.

CONTEXTO DO LANÇAMENTO DA NOVA ESTRATÉGIA

Conforme publicado pelo Portal Disparada, o Fórum Social Mundial, iniciado na terça-feira (13), este ano sediado em Salvador, é um contexto simbólico, de dimensões internacionais. Sua origem está ligada a necessidade de fazer contraponto ao Fórum Econômico Mundial que ocorre anualmente em Davos, na Suíça, e que serve de ponto de encontro para o poder econômico, que prega o neoliberalismo, com representantes de seus Estados-reféns.

Assim, já era esperado que esse ano o Fórum Social Mundial novamente recebesse uma quantidade grande de visitantes estrangeiros. Dos 80 mil participantes esperados, 10 mil devem vir de outros países. É comum caminhar pelo campus da Universidade Federal da Bahia, onde ocorre parte da programação, e ser abordado por indivíduos que falam espanhol, francês, inglês, ou deparar-se com grupos provenientes da África e do Oriente Médio.

OS INTERLOCUTORES DO PT NO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL

Por volta das 13h deu-se o evento mais esperado da tarde. Uma multidão de jornalistas, militantes, participantes individuais e observadores curiosos se reuniu numa das tendas centrais do campus Ondina, da UFBA. A presença da ex-presidente Dilma Rousseff era esperada, ao lado do aclamado professor português Boaventura de Sousa Santos, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e do embaixador Celso Amorim, ex-chanceler e ex-ministro da Defesa, figura de renome internacional. Outras pessoas compuseram a mesa, mas o núcleo seria formado por essas três figuras.

Antes do evento iniciar, Celso Amorim pediu permissão para fazer uma pequena manifestação: mencionou a abominável execução da vereadora Marielle Franco e pediu um minuto de silêncio, que foi respeitado.

Logo em seguida, um telão exibiu dois vídeos. O primeiro, do filósofo norte-americano Noam Chomsky, e o segundo do argentino Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel. Este último, recentemente, afirmou pretender indicar o próprio ex-presidente Lula ao prêmio Nobel.

Ambos expressaram apoio a Lula, reforçando a narrativa do golpe em escala internacional. Dilma, momentos depois, viria afirmar que os grandes meios de comunicação brasileiros bloquearam a palavra “golpe”, mas não a imprensa internacional, e por isso essa batalha o PT venceu.

Após a exibição do suporte de Chomsky e Esquivel, foi a vez do professor Boaventura endossar obstinadamente a narrativa do golpe. Disse em claro português que “Dilma foi a presidente mais honesta da América Latina e foi impedida pelos políticos mais corruptos da América Latina”.

Boaventura declarou que o caso da execução de Marielle é resultado do avanço do fascismo atual, que se manifesta através das ofensivas “aparentemente legais” do judiciário e do terrorismo de Estado. Às instituições, dedicou sua desconfiança, e defendeu que o povo tome pacificamente as ruas do país.

COMITÊ INTERNACIONAL EM DEFESA DA DEMOCRACIA E DO PRESIDENTE LULA

Com a presença de Celso Amorim, as participações de Chomsky, Esquivel e Boaventura, coube finalmente ao embaixador apresentar o núcleo da nova estratégia do PT. A ideia é simples: de acordo com o ex-ministro, a elite brasileira é vira-lata e só presta atenção quando alguém lá fora fala. Quando o New York Times ou o Le Monde relatam o que se passa no Brasil, o bloqueio da mídia brasileira é extrapolado. Além disso, o golpe no Brasil se enquadra num panorama mais amplo, de ofesiva antidemocrática ao redor do mundo.

Disso derivaria o fato de que, nas palavras de Amorim, defender Lula é defender a democracia. Coube também uma crítica aos pré-candidatos do campo progressista que não estão se unificando em torno de Lula, mas não se deu nome aos bois.

Daí a importância da criação de um Comitê Internacional em Defesa da Democracia e do Presidente Lula. Não foram mencionados muito detalhes a respeito de tal comitê, mas após Amorim, Dilma também saiu em sua defesa, e afirmou que “esse comitê é estratégico” na luta contra o golpe.

COERÊNCIAS E INCOERÊNCIAS NO DISCURSO

A fala da ex-presidente Dilma Rousseff, que se seguiu, surpreendeu pela sofisticação em meio a um ambiente abarrotado de espectadores dentro de uma tenda em pleno verão de Salvador.

Dilma explicou bem que a escravidão, elemento central da formação social do Brasil, resultou numa lógica histórica de exclusão. Mas foi além, e alegou que o privilégio da elite escravista jamais se baseou apenas no bloqueio do acesso aos direitos por parte das camadas mais pobres, e que a forma privilegiada de controle social no Brasil sempre foi a violência.

Saiu em defesa de Marielle, que foi cruelmente assassinada essa semana no Rio de Janeiro, e lembrou que não há golpe sem violência. Recordou também que os governos petistas simbolizaram quatro vitórias eleitorais seguidas sobre o neoliberalismo, tudo isso conduzindo à conclusão de que é necessário interceder por Lula, que seria a força mais consistente para combater a violência e os retrocessos do golpe.

É importante, contudo, reconhecer duas incoerências nos discursos trabalhados neste evento:

– Já havia violência antes do golpe. Ainda durante o governo Dilma, o Brasil alcançou a marca de terceiro país com maior população encarcerada no planeta, resultado da ausência total de apresentação de alternativas em segurança pública por parte dos governos petistas.

– O PT nunca superou os limites do neoliberalismo. Apesar de uma tendência social na formulação da política que caracterizou os governos petistas, os postulados básicos do neoliberalismo implantado no Brasil durante a década de 1990 jamais foram desafiados: tripé macroeconômico (juros altos, câmbio valorizado, metas de inflação), conta de capitais aberta (permitindo o livre fluxo de capital estrangeiro para dentro e para fora do mercado nacional, possibilitando a especulação sobre os nossos recursos), baixa taxa de investimento publico etc.

Mas o PT não abandonará a visão de que Lula é o Getúlio Vargas da nossa época. Infelizmente, pois a obra de Getúlio foi imensamente mais duradoura, ao contrário da obra de Lula, que vem se desfazendo ligeiramente desde a queda da ex-presidente Dilma. É inegável, porém, que Lula cumpre um importante papel político, sendo o maior líder de massas do país.

Sua participação nas eleições de 2018 deveria se dar apoiando um candidato que possuísse um projeto nacional de desenvolvimento, algo que ele próprio não foi capaz de formular e implementar.

Getúlio e Juscelino Kubitschek, por exemplo, também sofreram duros ataques, perseguições políticas e morais por parte da elite nacional contrariada em seu intuito de servir apenas como consumidora passiva dos fluxos de inovação tecnológica provenientes dos países desenvolvidos. Ambos possuíam projetos que visavam transformar o país em produtor de tecnologia, sinônimo de superação de subdesenvolvimento.

Lula recebe as mesmas investidas contra seu capital político, mas por outros motivos. Não apenas é um símbolo popular que não representa a elite aculturada do Brasil, como também nunca pertenceu ao clube dos donos da bola. Comparar o seu legado com as duradouras e transformadoras heranças de GV e JK, no entanto, é injustificável.

Não à toa, após a condenação em segunda instância, a mobilização popular em sua defesa não bastou para conter o rolo-compressor midiático-jurídico-internacional que deseja vê-lo preso, com seu capital político reduzido a cinzas.

É dado como extremamente provável que a prisão de Lula se aproxima. Isso explica a opção do PT, de aos poucos, sinalizar para uma estratégia de campanha internacionalizada, visando transformar a questão Lula no que foi a questão Mandela na segunda metade do século passado.

Foto: Dida Sampaio