A Carta-Testamento e a Carta-Despedida de Getúlio Vargas

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Em 24 de agosto de 2019 completaram-se 65 anos do suicídio do presidente Getúlio Vargas, criador da Consolidação das Leis do Trabalho, da Petrobras, da Eletrobras, da Companhia do Vale do Rio Doce, do BNDE(S), e de tantas outras empresas, direitos e instituições brasileiras.

Getúlio Vargas foi o demiurgo  que revolucionou o Brasil impondo a soberania nacional contra o sentido da colonização. De país agrário a industrial, da república oligárquica aos direitos sociais, dos trabalhadores, e à participação do povo na política.

Ao contrário do que quer a elite colonizada e seu pensamento universitário liberal, de esquerda inclusive, o populismo de Getúlio Vargas foi o instrumento do povo brasileiro para transformar o país. O trabalhismo varguista é a tradição política da revolução nacional do Brasil.

Nas duas vezes em que governou o Brasil, Getúlio enfrentou as mais violentas oposições de interesses estrangeiros e de setores internos contrários à industrialização e à criação de direitos para os trabalhadores.

No segundo governo eleito em 1950, sob falsas acusações de corrupção e de envolvimento em um atentado contra Carlos Lacerda, setores golpistas do exército, da imprensa e da elite empresarial, apoiados pelos EUA, exigiam a queda do presidente escolhido pelo povo.

Em sua derradeira interpelação à população como presidente do Brasil, Vargas denunciou os inimigos da pátria e mobilizou o povo para a defesa do interesse nacional de forma dramática ao abrir mão de sua própria vida.

No dia 24 de agosto de 1954, encurralado pelo imperialismo e pelos setores golpistas internos, o presidente Getúlio Vargas deu um tiro no próprio peito como ato de resistência ao golpe de Estado.

Getúlio deixou três cópias datilografas de sua Carta-Testamento distribuídas a pessoas de confiança como João Goulart. Deixou ainda uma carta-despedida manuscrita. Leia a reprodução das duas cartas abaixo:

Carta-Testamento

Getúlio Dornelles Vargas

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.

Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo.

A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.

Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre,não querem que o povo seja independente.

Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.

Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação.

Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém.

Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

Carta-Despedida

Getúlio Dornelles Vargas

“Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte.

Levo o pesar de não haver podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.

A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.

Acrescente-se a fraqueza de amigos que não me defenderam nas posições que ocupavam, a felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês e a insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.

Se a simples renúncia ao posto a que fui elevado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranqüilo no chão da Pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não de crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes.

Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue de um inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.

Agradeço aos que de perto ou de longe trouxeram-me o conforto de sua amizade.

A resposta do povo virá mais tarde…”

Getúlio vai voltar.