GILBERTO MARINGONI: A via ilusória do impeachment – II

A via ilusória do impeachment - II
A via ilusória do impeachment - II
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Vários/as amigos/as e camaradas, a quem respeito muito, criticaram um texto feito nesta madrugada, no qual afirmo ser o impeachment uma via ilusória para a esquerda. Seus argumentos são sólidos e bem fundamentados. Mas sigo com minha ideia inicial.

O impeachment – ou impedimento – entrou na cena pública brasileira pela primeira vez na Constituição de 1946, em seu Capítulo III, artigo 79. A lei complementar que concretiza a norma constitucional é a de número 1.079, sancionada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra em 10 de abril de 1950. Segue em vigor.

Trata-se de uma transposição do voto de desconfiança dado a um primeiro-ministro – num regime parlamentarista – para um chefe do Executivo, num regime presidencialista. Assim, o processo de impedimento sempre se situa na fronteira entre medida legal e iniciativa política. A perda de maioria congressual qualificada – no caso brasileiro – sempre coloca o mandatário dos três níveis de governo sob o risco de impedimento.

O IMPEACHMENT NO PRESIDENCIALISMO é sempre um golpe. Trata da destituição de um governante – no caso federal – escolhido pelo voto de 105 milhões de brasileiros. Quem fará isso serão 513 deputados e 81 senadores. É uma clara sobreposição à vontade popular.

A campanha pelo impeachment de Collor de Mello, em 1992, foi centrada nas denúncias de corrupção do presidente e de seu grupo. As marchas de protesto foram lindas de Norte a Sul. Mas não entrou em pauta o projeto neoliberal, em fase de implantação. O PT conseguiu impor uma dinâmica francamente udenista e despolitizada, o que agradou sobremaneira os grupos de comunicação e setores das classes dominantes que tinham diferenças com o collorato.

A PROVA MAIOR DA DESPOLITIZAÇÃO da campanha está na eleição de Paulo Maluf a prefeito de São Paulo, em 2 de outubro de 1992, três dias após a renúncia de Collor. Itamar Franco assumiu a presidência e chamou FHC para ser chanceler e, em seguida, ministro da Fazenda. E o programa neoliberal interrompido pode ser implantado sem ruídos ou arestas.

Hoje é possível falar com tranquilidade que a deposição de Collor foi um erro de grande parte da esquerda. A única voz solitária foi a de Leonel Brizola, que via ali um golpe, como o impeachment tentado contra Getúlio Vargas no início de 1954.

HÁ UM NÓ HISTÓRICO a mais. Se a esquerda avalia quase unanimemente que o impeachment de Dilma foi golpe, precisará fazer uma ginástica conceitual para justificar o investimento nessa seara agora. Ou abrir mão de classificar o fatídico 17 de abril de 2016 como “golpe”.

Bolsonaro é a expressão acabada da barbárie gestada nos porões da ditadura e que conseguiu a proeza de unificar setores apodrecidos das forças armadas com o submundo das milícias cariocas. É resultado, entre outras coisas, da lassidão dos governos democráticos em mudar a Lei de Anistia e da decepção popular que, por quatro vezes consecutivas, votou em candidaturas de centroesquerda para a presidência. A decepção colhida com a traição de Dilma Rousseff ao prometido em campanha e à sua depressão econômica programada, a partir de 2015, foram o fermento da ira popular contra o PT e da aversão à política que geraram o bisonho fascismo liberal de nossos dias.

QUAL SERIA O MOTE DE UMA CAMPANHA pelo impeachment de Bolsonaro: seu comportamento repugnante em variadas esferas, ou as reformas ultraliberais, pilotadas hoje por Rodrigo Maia? Mesmo que se diga “as duas coisas”, a tentação de se ampliar a frente pela deposição – em busca do que Fernando Haddad chama de “esquerda do PSDB” – tenderá a deixar o embate contra as reformas de lado em favor de investidas contra a pregação celerada. Caso isso se dê, teremos nova versão da campanha despolitizada de 1992. Caso se opte pela campanha contra as reformas, a jornada vibra em outro diapasão, cujo calendário, com todas as dificuldades, está em andamento.

Tirar Bolsonaro com nova manobra parlamentar pode ser reconfortante para muitos. Mas tirará de cena um problema da direita e fará o poder real deslizar para setores mais competentes na implantação da agenda privatista e entreguista, com unanimidade entre quase todas as “frações burguesas”, para utilizar terminologia de manual.

O IMPEACHMENT PRECISA, por fim, ser retirado do texto constitucional. Em seu lugar, deve entrar o referendo revogatório para todos os mandatos. Quem colocou o governante no palácio é quem deve ter o poder de retirá-lo.

Por Gilberto Maringoni