Proposta aos governadores para escaparem da chantagem da União

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A pouca atenção que se dá no Brasil a relações federativas esconde o fato de que a União, sobretudo a partir do Governo FHC, vem esmagando os Estados com a imposição de obrigações financeiras injustas, assim como submetendo-os a chantagens em troca de migalhas, a exemplo do que está acontecendo com a reforma da Previdência. A essência dessas relações é que o Governo federal vem cobrando dos Estados o que eles não devem, e deixando de pagar aos Estados o que é crédito líquido e certo deles.

A cobrança indevida se refere a uma dívida renegociada em 1998 no âmbito da liquidação dos bancos comerciais estaduais. As dívidas mobiliária dos Estados que estavam rolando nesses bancos foram transferidas para bancos privados e pagas pelo Governo com títulos da dívida pública. Ato contínuo, o Governo repassou arbitrariamente a mesma dívida de volta aos Estados para pagarem a longo prazo, estrangulando com o tempo seus orçamentos.

Eu sustento que essa dívida é nula, e mostrei isso no livro “Acerto de Contas. A dívida nula dos Estados”. A razão é simples: se a dívida foi paga pelo Governo federal com títulos públicos, quem pagou efetivamente foram os cidadãos de todo o Brasil, já que título público (como a moeda) é um passivo de toda a sociedade. O repasse aos Estados, na forma como foi feito, implica que os cidadãos desses Estados estão pagando duas vezes a mesma dívida.

O efeito econômico disso é devastador sobre as finanças públicas estaduais. Cada prestação anual, em alguns Estados chegando a bilhões de reais, corresponde a desinvestimentos ao longo de 20 anos em saúde, educação e segurança – obrigações constitucionais dos Estados. A degradação desses serviços, de norte a sul do país, é visível. Isso é particularmente patente em áreas da segurança pública como penitenciárias, onde revoltas chamam atenção pelo seu caráter estrondoso.

Quando as dívidas foram consolidadas, se elevavam a 111 bilhões de reais. Foram pagos, até 2016, em tranches anuais, 297 bilhões. Mas restam a pagar, por força de juros estratosféricos que lhes foram impostos, nada mais nada menos que 512 bilhões. Claro, tornou-se impagável. Entretanto, o justo não é apenas cancelar essas dívidas. O justo é restituir o que foi pago indevidamente, pois a dívida é nula na origem.

Entretanto, qual tem sido a função na macroeconomia brasileira do pagamento da dívida dos Estados à União? As prestações servem para compor o superávit primário de acordo com os ditames do FMI: recursos consideráveis são retirados da sociedade na forma de impostos para serem esterilizados no giro da dívida pública. A conseqüência é um tremendo efeito contracionista na economia, no rumo contrário de uma política econômica de retomada.

Se o Governo cobra o que não deve, de outro lado ele deixa de pagar mais de 500 bilhões de reais por conta de débitos aos Estados relativos à Lei Kandir. Nesse caso, há decisão transitada em julgado no Supremo. O crédito dos Estados é oriundo da obrigação que o Governo federal assumiu para compensar isenção de impostos sobre produtos primários de competência estadual. Nesse caso, os Estados ganharam mas ainda não levaram.

Há ainda a questão da DRU, Desvinculação de Recursos da União. Legalmente, os Estados se creditariam em parte dela toda a vez que o Governo federal acionasse esse mecanismo.Os Estados, também nisso, são ludibriados. Se somarmos os três fatores, eles são credores de mais de 1 trilhão de reais junto ao Governo federal, que poderiam ser pagos em títulos públicos. Do meu ponto de vista, isso seria a base para um grande projeto de retomada da economia, sem risco de inflação, porque começaria com uma economia em recessão.

É claro que o Governo federal, mesmo não tendo ele sido responsável por essa mega-dívida, resistirá a pagá-la. Isso só pode ser feito com um grande pacto federativo no Congresso, a partir do Senado, que é a casa da federação. E é preciso também ganhar a opinião pública para isso já que há uma grande desinformação a respeito. Na verdade, prevalece no país o estereótipo do governando estadual incompetente e irresponsável, o que é uma farsa.

É preciso apelar aos secretários de Fazenda e Planejamento, e aos Procuradores Gerais dos Estados, principalmente do Nordeste e Norte, para iniciarem um movimento de esclarecimento dessa situação, respaldando os governadores numa ação política apropriada no Senado. Os servidores, uma vez conscientizados a respeito, podem ser uma forte base social para a ação, mobilizando a opinião pública, principal beneficiária de um sistema federativo equilibrado e com capacidade de investir e reverter a recessão. Voltarei ao assunto.