Depois de Bolsonaro: ou o dilúvio ou um grande pacto

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O vice Presidente, general Hamilton Mourão
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A questão mais relevante da política brasileira no momento refere-se à relação entre Paulo Guedes, o economista plenipotenciário, e o general Mourão, herdeiro presumido de Bolsonaro. Que estamos sob um regime militar é um fato; são 62 militares de alta patente em cargos do primeiro escalão do governo. Que Bolsonaro será afastado, obrigado à renúncia ou tutelado é outro fato, pois o país já percebeu que é um desequilibrado (vide Venezuela). Que será mantido um ritual de institucionalidade no poder, também é indiscutível. Portanto, a questão fundamental passa a ser: o que fará Mourão como presidente da República?

Presume-se que a tomada institucionalizada dos poderes republicanos pelos militares não traduz apenas voracidade por cargos públicos. Muitos deles, se não todos, acreditam que podem realmente fazer alguma coisa positiva para o bem do Brasil. Ou seja, querem governar. Acontece que governar significa escolher entre interesses contraditórios, em especial os referentes à economia e ao orçamento público. Significa também estabelecer prioridades e gastar. É nesse ponto que entra a relação entre Guedes e Mourão: os generais do gabinete identificarão suas necessidades orçamentárias e Guedes dirá, não. E Mourão, o que fará?

Depende. Se achar que Guedes na verdade não passa de um aloprado ideológico que ameaça levar o país para um buraco ainda mais fundo do que o atual, poderá mandá-lo para casa a fim de que curta sossegadamente seu deslavado apetite por dinheiro no privado, ou por privatizações no público. É decisão difícil pois implica desmontar a casamata ideológica que Guedes montou no Ministério da Economia, um verdadeiro bunker neoliberal. Isso será ainda mais problemático se os eventos acima mencionados ocorreram no curto prazo, com óbvias dificuldades para a substituição dos nomes colocados por Guedes em torno de seu fortim.

Entretanto, Mourão pode seguir, de forma equívoca, parte do cenário do golpe de 64, acreditando nas virtudes econômicas de Guedes para salvar o Brasil na base de sucessivos ajustes fiscais, como um Roberto Campos desfigurado. Isso poderia levá-lo a se esquecer, talvez por nunca ter sido informado a respeito, do que foi o PAEG, o plano econômico do Governo Castelo Branco no triênio 64-67. Embora tivesse elementos contracionistas, a direção geral do plano, concebido por Roberto Campos, foi no sentido de preparar o Brasil para o crescimento, mediante iniciativas como a criação de fundos setoriais de investimento e o Banco Nacional de Habitação, a ORTN, a reforma tributária, entre várias outras.

Se o caminho admitido por Mourão for o caminho dos ajustes prometidos por Guedes é possível que sigamos o lado negro do golpe de 64. Note-se que havia alguma gordura na economia quando os militares assumiram o poder naquela época. No caso atual, não temos gordura alguma. Ao contrário, temos uma queda de 7% do PIB em quatro anos, alto desemprego e queda de renda. Impor mais contração da economia sobre essa situação é convocar as massas para a rua. Isso aconteceu em 1968, com menor pressão, em clima de grandes confrontos sociais, devido à performance medíocre da economia.

O que farão os militares institucionalizados no poder diante do aprofundamento da crise social, inevitável com a política neoliberal de Guedes? Num clima de convulsão, é muito difícil pedir desculpas e mudar de rumo. Talvez o Congresso, provocado em seus brios, negue algumas iniciativas absurdas de Guedes, como aconteceu como a negativa de processar Márcio Moreira Alves, em 1968. Muito provavelmente Guedes tentará convencer o generalato de que é impossível governar com esse Congresso, que as medidas que defende são impopulares mas necessárias, e que é preciso poder de decisão forte. Em outras palavras, um neoAI-5.

É claro que haveria reação popular. Não existe esta de que o brasileiro é pacífico, não tem sangue quente, não reage politicamente. Brasileiro é feito da mesma massa que qualquer outro cidadão do mundo. Tudo é uma questão de tempo e de circunstâncias. A política de Temer só não os levou à conflagração porque tinha eleição marcada. Eleição tem um poder mágico sobre as pessoas que passam a acreditar que, por simples efeito dela, as coisas vão melhorar. Numa situação em que a cúpula da República perde a confiança do povo, com o derretimento de suas principais instituições, por algum caminho o povo busca respiradouro.

Diante desse quadro, embora não tenha nenhuma informação a respeito, prefiro acreditar que o general Mourão não compra toda a história de Guedes. Acho que vale a pena, para o bem do povo e da República, que se busque, contrariamente ao caminho da obsessão neoliberal, uma alternativa desenvolvimentista. Não temos nenhuma dificuldade intransponível para estabelecer no país uma política de pleno emprego, que eliminará automaticamente a fragilidade fiscal advinda da recessão e que eliminará junto a chamada crise da Previdência. Essas, no meu tender, são as bases para um grande pacto social em torno do qual seria possível estabelecer a grande estratégia de conciliação nacional.