Quais serão os impactos políticos dessa crise?

Nos últimos dias li, escrevi e refleti muito sobre possíveis resultados sociais da crise atual, sobre como essa pandemia poderá afetar os mais vulneráveis e sobre como empresas e sociedade civil vem respondendo a tudo isso. Mas não consigo parar de me perguntar sobre quais impactos políticos teremos no Brasil com essa pandemia.
Botão Siga o Disparada no Google News

Nos últimos dias li, escrevi e refleti muito sobre possíveis resultados sociais da crise atual, sobre como essa pandemia poderá afetar os mais vulneráveis e sobre como empresas e sociedade civil vem respondendo a tudo isso. Mas não consigo parar de me perguntar sobre quais impactos políticos teremos no Brasil com essa pandemia.

Em primeiro lugar, estamos vendo alguns rearranjos políticos importantes. Creio que Bolsonaro e seus correligionários devem sair mais enfraquecidos. Por um lado, nesta semana, o presidente fez um pronunciamento desastroso e irresponsável onde desdenhou da gravidade da infecção causada pelo coronavírus e da necessidade de medidas mais restritivas para conter a pandemia e recebeu duras críticas de todos os lados. Dois dias depois ele decide gastar R$ 4,8 milhões de recurso público para veicular uma propaganda contrária às orientações das autoridades de saúde do Brasil e do mundo. De outro lado, assistimos (felizes) a Câmara na última quinta-feira aprovar por consenso a renda emergencial de R$600 a R$1.200 para a base da pirâmide enquanto durar a crise do COVID-19. Deputados, inclusive governistas, acataram essa proposta, indo contra a proposta do governo. O francês Thomas Piketty costuma afirmar que mudanças de paradigma em sociedades democráticas acontecem após grandes traumas, como guerras e epidemias. Pode ser que estejamos vivendo um desses momentos de inflexão. Uma das propostas que estava parada há muito tempo, defendida essencialmente pelo campo da esquerda, ganha visibilidade: está pronto para ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal um projeto que taxa as grandes fortunas brasileiras e destina recursos para a Saúde pelo período de dois anos.

Além disso, recebemos nesta semana a notícia de que o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro se filiaram ao Republicanos (antigo PRB), partido ligado ao bispo Edir Macedo, dono da Igreja Universal e do grupo de comunicação da Record. O desembarque de parte da família na sigla, ocupada em sua maioria por evangélicos, praticamente sela o apoio ao prefeito Marcelo Crivella, que tentará a reeleição no Rio de Janeiro. Esse novo cenário mostra que a Aliança pelo Brasil está com dificuldade de sair do papel e reforça a proximidade da família do presidente com os evangélicos, o que pode trazer mais força e radicalização para esse grupo político nas eleições municipais.
Como terceiro ponto, é fundamental discutirmos o que poderá acontecer com as eleições marcadas para outubro deste ano. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendeu a ideia de adiamento das eleições no último domingo, com o argumento de que a medida arrefeceria o ambiente de disputa política. O ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, que vai comandar o TSE nas eleições municipais de 2020, disse que não é hora de discutir o tema agora, embora tenha admitido que o adiamento pode ocorrer, exigindo, para isso, a aprovação de uma emenda constitucional no Congresso. A decisão de adiar ou anular eleições tem consequências políticas graves, pois a realização de eleições periódicas é o rito basilar da democracia. De toda forma, essa discussão não pode ser feita de modo apressado, nem de modo a beneficiar determinados grupos políticos. Ainda não sabemos quanto tempo a pandemia durará e quais impactos sobre as eleições teremos, mas uma coisa para mim fica clara: adiar 1, 2 ou 3 meses faz todo sentido se a pandemia nos impuser, mas a ideia aventada de unificar todas as eleições, de presidente a vereador, num pleito só a cada quatro anos, estendendo os mandatos municipais atuais até 2022 me parece desastrada. Essa proposta me preocupa de muitas formas, mas o argumento mais forte é de que se hoje eleitores já dão pouca atenção a certos temas, com uma eleição unificada (federal, estadual e municipal) onde cada eleitor deverá escolher 8 nomes na urna, vai dificultar ainda mais, diminuindo a qualidade da nossa democracia.

Por fim, e não menos importante, se as eleições forem mantidas para outubro, vale pensar sobre quais as consequências eleitorais que a atual crise trará. É cedo para dizer, mas vejo pelo menos duas: (1) o tema da saúde ganha força com o eleitorado, então candidatos com essa pauta devem se destacar, especialmente aqueles que defendem aumento do orçamento para o SUS ou incremento da pesquisa científica na área da saúde; e (2) com o impedimento da realização de agendas presenciais, pré-candidatos com visibilidade em redes sociais ou candidatos que tentarão a reeleição podem ganhar mais notoriedade no debate.

Por: Barbara Panseri.

Mestra em Administração Pública pela FGV e graduada em Relações Internacionais pela USP, membro da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e especializada em Design para Sustentabilidade e Advocacy e Políticas Públicas. É também membro do coletivo Faz Diferença? Discussões sobre Desigualdades e faz parte da Iniciativa Brasilianas, por mais mulheres na política. Trabalhou na Secretaria Municipal de Gestão de São Paulo na gestão Haddad e atualmente é pré-candidata à vereadora em São Paulo pelo PDT.