As Garras Imperialistas sobre os Correios do Brasil

As Garras Imperialistas sobre os Correios do Brasil
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A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é uma estatal de mais de 300 anos de idade. Como esteio fundamental do Estado-Nação brasileiro, os Correios vão muito além de entregas de compras pela internet, desempenhando um papel fundamental na integridade do território nacional. Agora, grandes operadores logísticos de países imperialistas afiam suas garras para cravá-las sobre mais essa veia exposta do Brasil.

As Garras Imperialistas sobre os Correios do Brasil

Às 22h do dia 17 de agosto, trabalhadoras e trabalhadores dos Correios deflagraram uma greve em todo país. O motivo foi uma verdadeira quebra de contrato chancelada pelo STF. Em negociação coletiva em 2019, o TST arbitrou um Dissídio Coletivo com validade de dois anos, ou seja, até 2021. No entanto, em meio a pandemia na qual os trabalhadores dos Correios são a linha de frente no abastecimento de milhões de residências em todo o Brasil, o STF concedeu liminar suspendo a duração da decisão da justiça trabalhista, atendo a um apelo da direção da estatal.

A cúpula dos Correios aproveitou a ocasião e unilateralmente convocou uma “negociação” com os sindicatos da categoria que efetivamente retirava 70 das 79 cláusulas do dissídio. Embora a esgotosfera liberal faça troça com o tal “vale-peru”, na verdade esses supostos “privilégios” faziam frente a imensa defasagem salarial da categoria, cuja remuneração mensal não chega a dois salários-mínimos para os trabalhadores operacionais (em 2014, eram mais de 85% da mão-de-obra da empresa), muito abaixo de outras categorias com qualificações semelhantes no setor de serviços. É importante ressaltar que essas 79 cláusulas eram a consolidação de décadas de negociação entre sindicato e empresa, subitamente desrespeitados. Muitos dos dispositivos do dissídio na verdade compensavam direitos perdidos na Reforma Trabalhista.

Mas a greve dos trabalhadores dos Correios vai muito além dos necessários direitos dessa categoria essencial para o Brasil, ressaltando que a ECT é a segunda maior empregadora do país, com mais de 100 mil trabalhadores. Como argumentamos a respeito do conceito de greve política, a articulação dos trabalhadores é mais do que a mera soma da luta em paralelo de cada segmento da classe. Na greve política, a categoria efetivamente atua como vanguarda de toda classe trabalhadora, organizando a luta de todas as categorias segundo aquilo que é central na conjuntura e na estrutura. Nesse momento, a luta dos trabalhadores dos Correios transcende seus direitos: agora lutam por todo o Brasil. Por isso é uma greve popular e patriótica.

Ao contrário do como são costumeira e maliciosamente retratados, os Correios não são somente entregadores de compras online, cujo suposto “monopólio” encareceria os fretes dos honrados consumidores (o que é uma falácia). Diga-se de passagem, no segmento de entrega de encomendas, os Correios sequer detém o monopólio legal. Nesse setor, a estatal compete com outras empresas privadas, inclusive muitas estrangeiras como FedEx e UPS. A Constituição e as leis conferem a “área de reserva” para os Correios somente no segmento de correspondência física, ou seja, cartas.

Ocorre que os Correios tem uma ampla fatia de mercado mesmo nesse segmento em que não possui monopólio legal. Dados da empresa de pesquisas Nielsen para as compras online apontam para um market share de 37% dos Correios. Embora seja líder, é muito longe de um monopólio. Os outros 63% são divididos entre empresas privadas e outras modalidades de entrega, como retirada física na loja. Um estudo de Jamil Balcewez da Silva Mendes, gerente do Banco Postal, indica uma participação ainda maior da estatal no segmento de encomendas até 10 kg, mesmo a empresa não possuindo qualquer forma de monopólio legal no segmento:

Isso soa como um sacrilégio para os frágeis cérebros liberais, mas estatais podem ser mais competitivas do que empresas privadas. Neste mesmo estudo, a percepção dos consumidores a respeito dos Correios é bastante positiva:

O que explicaria essa competitividade de uma estatal? Não são elas somente cabides de emprego ineficientes regados a privilégios de dois salários mínimos em um trabalho físico árduo embaixo de sol? Em seu estudo, Silva Mendes argumenta que uma das vantagens competitivas dos Correios reside justamente no controle de patentes centrais para este mercado, desde marcas até tecnologias essenciais, como o RFID, do qual falaremos mais adiante. Além disso, em suas últimas demonstrações contábeis, os Correios apresentam um patrimônio de mais de R$ 7 bilhões em ativos logísticos em todo país, entre imóveis, veículos, máquinas e outros equipamentos. Esse patrimônio é fruto da genialidade, da poupança e do trabalho de todos os brasileiros. É essa rede com capilaridade em todo o território nacional que literalmente age como um tecido ligando todas as partes do país.

Mas o papel dos Correios no tecido produtivo e na integridade do território nacional vai muito além de sua competitividade no setor de encomendas. Em localidades da Bacia Amazônica, o frete dos Correios é muito mais barato e acessível do que da iniciativa privada para as encomendas. A estatal ainda presta um serviço essencial, entregando correspondência, na forma de cartas, em rincões do país muito distantes da digitalização (e mesmo os centros urbanos estão muito longes da digitalização plena). Os Correios ainda são peça chave em grande operações logísticas realizadas por outras pastas do Governo Federal, prestando serviços baratos e eficientes para a Administração Pública, de modo semelhante a SERPRO e Dataprev. A seguinte tabela de Silva Mendes é apenas um indicativo da centralidade da estatal para o Estado brasileiro:

Isso é possível graças à política de subsídios cruzados, muito semelhante a vigente nos contratos de programa de saneamento básico. Nessa modalidade, as operações mais rentáveis em praças lucrativas como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outros grandes centros urbanos financiam as operações mais desvantajosas no Brasil Profundo. Sem essa política, a entrega de correspondências físicas, da qual depende boa parte dos pequenos negócios, famílias, administração pública, organizações da sociedade civil nos pontos mais isolados do território nacional não seria viável.

É por essa razão que não há “monopólio” na entrega de correspondências, já que a iniciativa privada nunca assumiria o ônus de um serviço tão caro e com tão baixa remuneração. Caso fosse a iniciativa privada que tocasse esse serviço, teríamos que remunerá-la de modo semelhante ao que ocorre no complemento da tarifa do transporte público, com todas as distorções que acompanham essa modalidade. Pela mesma razão, os Correios tem imunidade recíproca (um tipo de isenção tributária outorgada pela própria Constituição) conferida a suas atividades.

Até mesmo alguns militares discordaram do governo, de tão gritante que é a irracionalidade da entrega dos Correios. O primeiro presidente da estatal indicado por Bolsonaro foi o general Juarez Aparecido de Paula Cunha, que pode ser chamado de qualquer coisa, menos de esquerdista. O ocupante do Planalto demitiu o general depois que Paula Cunha acusou que quem arcaria com os custos da operação da estatal seria a população. Segundo o ex-Comandante Militar do Oeste, enquanto 324 municípios geram receita de mais de R$ 6,71 bilhões, outros 5.246 municípios respondem por um prejuízo de R$ 6,54 bilhões. O fatiamento da privatização dos aeroportos mostrou o resultado desse tipo de entrega: a iniciativa quer privatizar somente as praças lucrativas e socializar as deficitárias.

Mesmo com os subsídios cruzados, os Correios são rentáveis, obtendo mais de R$ 100 milhões de lucro em 2019 – isso em plena crise causada por anos de austeridade econômica e sucateamento da estatal. Essa cifra já foi muito maior, chegando a mais de um bilhão (com b) em 2012. Como se trata de uma empresa 100% estatal, isso significa que seus dividendos podem ser empregados em outros investimentos por parte da União ou no custeio da máquina pública. O contribuinte não arca com nenhum centavo do sustento das 100 mil famílias dos trabalhadores dos Correios, que obtém sua remuneração das tarifas de preços competitivos da estatal (e ainda deixam um lucro para reinvestimento e custeio da União!).

No entanto, a função dos Correios em um Projeto Nacional de Desenvolvimento vai muito além de uma empresa lucrativa com um papel essencial na integridade e soberania nacional e no bem-estar dos brasileiros. Os Correios ainda são um imenso comprador de veículos e outros equipamentos, que podem fornecer importante demanda para a indústria nacional desses setores.

Se em vez de um governo colonial destruidor do Brasil tivéssemos um Planejador disposto a realizar uma Revolução Industrial no país, essa capacidade de consumo produtivo poderia ser muito aproveitada em sinergia com outras áreas da indústria nacional. Apenas para ficar em um exemplo banal, os Correios são pioneiros no emprego de tecnologias da indústria 4.0 como o RFID, um identificador digital que permite rastrear encomendas. Outra estatal brasileira extremamente competitiva, a CEITEC, é uma concorrente cada vez mais eficiente na produção de RFID. Os Correios, com seu imenso porte, poderiam seguir o exemplo da Casa da Moeda e se converter em compradores da CEITEC, oferecendo espaço para que a outra estatal crescesse e com isso diversificasse e complexificasse a indústria nacional. Tudo isso de modo rentável e sem ônus para os contribuintes.

Então quais são os argumentos da sanha privatista? Além das fraseologias de cunho marcadamente ideológico, os defensores da privatização apontam os prejuízos expressivos da estatal em 2015 e 2016, que somados ultrapassam a cifra de R$ 3,5 bilhões. Curiosamente, esses imensos prejuízos ocorreram no contexto do golpe de 2016.

Como toda história semelhante no Brasil, há tentáculos que chegam até a metrópole imperialista. Quase a integralidade desses prejuízos se referem a incorporação pela estatal de déficits na Postalis, fundo de previdência complementar dos empregados dos Correios. Esses déficits foram assumidos depois que o fundo fechou estranhos negócios com um banco estadunidense chamado BNY Mellon, produto da fusão do Banco de Nova Iorque e do Mellon Financial na crise do subprime em 2007. Essa mesma instituição é conhecida no meio financeiro entre outros motivos por sua participação nos esquemas de corrupção de privatização na Rússia depois da queda da União Soviética, lavando dinheiro dos oligarcas (envolvendo até o vice-presidente do banco). Gerenciando quase 2 trilhões de dólares em ativos, o BNY Mellon tem mais de 200 anos de experiência nos meandros que unem imperialismo e corrupção.

O mais intrigante de toda essa história da Postalis (e outros fundos, como Petros) é que a própria Polícia Federal na Operação Greenfield denunciou o envolvimento de ninguém mais ninguém menos que o próprio Paulo Guedes neste escândalo bilionário (como é narrado na Veja). Não deixa de chamar a atenção que é como se a Greenfield fosse uma espada pendendo na cabeça de Guedes (com recuos táticos bem mal disfarçados quando o ministro anda na linha). Alguns dias atrás, justamente quando o governo indicou que poderia romper com o programa liberal, a investigação voltou a andar…

Não se trata somente de um argumento ad hominem, isto é, contra a pessoa de Paulo Guedes. Ele é imediatamente interessado nos eventos que se desenlaçam com ou sem a privatização dos Correios. Colocar a culpa da privatização na estatal é como se alguém levasse um soco e culpasse o rosto por acertar a mão. Tanto é assim que o PDT ajuizou uma ADPF pedindo o afastamento de Guedes do Ministério da Economia, o que foi rechaçado pelo STF. Não se pode discutir em abstrato, teoricamente, se estatais são sempre corruptas e se é melhor privatizá-las por isso (argumento que é uma asneira, mas não convém discuti-lo agora); temos aqui um caso concreto no qual uma estatal poderá ser privatizada por quem causou-lhe o prejuízo, no caso, Paulo Guedes e que é interessado no resultado do processo.

Os Correios são eficientes, competitivos, comercialmente saudáveis, tecnologicamente avançados e essenciais para um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Quem não iria querer esse jóia nacional? Não é de hoje que grandes transnacionais imperialistas miram a ECT. O setor de logística é a nova coqueluche dos grandes monopólios privados internacionais, segmento que passa por um intenso processo de centralização e concentração de capital em razão dos avanços tecnológicos da indústria 4.0. A FedEx por exemplo vem devorando dezenas de empresas e já manifestou interesse em cravar suas garras nessa parte do tecido produtivo brasileiro. Os chineses da Alibaba e o quase trilionário Jeff Bezos da Amazon disputam como hienas a carne de nosso país. Nando Cesarone, presidente da UPS International, teve uma reunião reservada com Paulo Guedes no Fórum Econômico em Davos. Ao sabor de champanhe e caviar, decidiram o destino do Brasil nos alpes suíços.

Toda essa verdadeira pornochanchada é tão despudorada que as brigas dos cães pelas fatias do Brasil muitas vezes travam seus próprios intentos e trazem para a superfície o chorume que rola no submundo de Brasília. Salim Mattar com seus textinhos dirigidos a corja liberal-fascitóide colocou a culpa “nos políticos” pela não entrega dos Correios. Políticos reagiram mostrando a sanha privatista descarada de Mattar, afirmando que ele estava disposto a fatiar a privatização, separando o filão mais lucrativo do sudeste do resto do país, atravessando a negociação do protegido de Silvio Santos. Nudez ao vivo na televisão domingo a tarde.

Assistimos mais uma vez o mesmo modus operandi que caracterizou toda a destruição do sistema de estatais brasileiro. Sua atuação econômica é sucateada, suas contas são dilapidadas por corrupção visando sua privatização, suas unidades de negócio mais lucrativas são fatiadas e então um governo vassalo de interesses estrangeiros as entregue de bandeja. E esse movimento não se restringe nem de perto somente aos Correios. Muitas vezes a esquerda imagina que há uma perversa “racionalidade coletiva” da burguesia. Não há, pelo menos não dessa forma. O que de fato toca essa agenda são atores desesperados por sua própria sobrevivência em conchavos, sendo que um não confia no outro. Nos corredores escuros onde ocorrem as tenebrosas transações, ser apunhalado pelas costas é uma constante, um conspirador coagindo o outro a todo instante. São essas hienas que dilaceram as entranhas do Brasil.

Essas são as razões pelas quais, nesse instante, as trabalhadoras e trabalhadores dos Correios são a vanguarda de toda a classe e com ela de todo o Brasil. Sua greve não se restringe a salário ou aos “benefícios” que mal compensam a imensa defasagem em sua remuneração (ainda que essas fossem demandas mais do que suficientes). São a vanguarda em primeiro lugar porque lutam para proteger uma estatal que se confunde com a própria estrutura do Estado Nação brasileiro. Mas são vanguarda sobretudo porque sua greve pode ser a plataforma pela qual todas as categorias se articulem em luta pelo Brasil. É agora, em meio a uma pandemia, que temos de provar nosso valor como brasileiros.

A história legou para nós a tarefa de defender o Brasil em um de seus momentos mais terríveis. Não podemos fugir dessa responsabilidade.

O Brasil depende disso.