JONES MANOEL: O dilema de JK e a agonia da forma-partido tendência

JONES MANOEL: O dilema de JK e a agonia da forma-partido tendência
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JK deixou a presidência com relativo êxito. Queria ser candidato novamente. Só que tinha um grande problema: Brizola, Jango e Prestes eram os principais líderes nacionais com bases sociais organizadas. Comunistas e trabalhistas disputavam quase que com exclusividade os movimentos populares, sindicatos, intelectualidade, artistas e afins. JK, apesar da popularidade, não tinha bases sociais organizadas. Sabia que não conseguiria, por exemplo, fazer frente a Brizola – especialmente se o PCB apoiasse ele em 1965 – e que outros nomes conservadores, como Carlos Lacerda e o próprio Magalhães Pinto tinham mais apoio da burguesia interna que ele.

Popular, mas sem bases organizadas no povo trabalhador e na classe dominante. Nelson Werneck Sodré relata que um líder da UNE (não lembro o nome), no final de 1963, conversando com JK, conta que ele teria afirmado: “os militares não vão deixar Jango ou Arrais assumir [em 1965]. Eu sou a melhor alternativa de vocês”.

Na cabeça de JK, como candidato de “centro”, ele poderia disputar votos pela direita, seduzindo o empresariado, e pela esquerda, contando com a cartada miliar barrando os “radicais”. Inteligente, astuto, perfil de estadista, mas sem base social. Lembra alguém?

JK apoiou o golpe de 1964 que via como uma concretização de sua estratégia: afastar os radicais, os comunistas e os Brizola’s, e depois, com novas eleições, frente a um Carlos Lacerda da vida, ser um candidato da união nacional – afinal, entre Lacerda e JK, a “esquerda” teria que preferir ele.

No cálculo político, estava implícito uma crença fundamental: os golpistas, apoiados pela burguesia, iriam atrás apenas dos “radicais”. Ele errou; Carlos Lacerda errou. JK morreu assassinado pelos militares.

Brizola disputava a influência do PTB com seu cunhando, Jango. Seu slogan de campanha dizia “Cunhado não é parente, Brizola presidente”. Mas 1965 nunca veio. Ao contrário de hoje, mesmo disputando com Jango, Brizola sabia que o Cunhado que não é parente, precisava terminar o mandato para existir 1965. Lutou contra o golpe. Foi mais valente que o Cunhado, e nunca foi presidente.

2019, por analogia histórica (e guardando todos os limites da analogia), é uma repetição medíocre de 1963-65. De um lado, Rui Costa querendo sabotar o seu partido, porque quanto mais fraco for o partido, e consequentemente o grupo dirigente, mais possibilidade ele tem de ser o candidato em 2022. E Lula, que não é cunhado de ninguém e tá preso, tá mais fraco para repetir façanhas passadas: quando anulou politicamente Marina Silva, Olívio Dutra, Ciro Gomes, Eduardo Campos e afins.

Quanto mais debilitado estiver o PT, melhor para Rui Costa. A forma-tendência de partido é realmente um doce. Você dorme com o inimigo e finge que ele não é inimigo.

Do outro lado, uma cópia mal feita de JK, mas sem nunca ter sentado na cadeira de presidente, que busca construir um caminho alternativo; cavar um espaço. Também não é o preferido da burguesia e das bases populares organizadas. Quer ser uma espécie de consciência racional média da sociedade. Uma espécie de última alternativa da “esquerda” para não viver por longo tempo a noite bolsonarista; e, ao mesmo tempo, não ser de esquerda, mas de todos os brasileiros. Por isso precisa de Lula preso. Por isso precisa criminalizar o PT (e eu, como sabem, acho o PT um partido podre por dentro como todo partido burguês). Ele faz o certo dentro de sua estratégia.

O problema é combinar com muitos russos. Combinar que a perseguição judicial fique apenas no PT; combinar que o desespero do eleitorado de esquerda ou progressista fuja para o JK piorado; combinar que o próprio Rui Costa não vai tomar o espaço que seria de Ciro (Eduardo Campos morreu em 2014. Isso foi sorte de Ciro, mas a sorte não sorrir sempre); combinar que vai ter eleição em 2022; combinar que os militares, depois de revivido o Partido Fardado, aceitem o “rito democrático”; combinar que Dino seja uma nulidade política; combinar que não aconteça nenhuma radicalidade popular no Brasil, combinar que das lutas populares não surjam novas lideranças etc. etc. etc.

São muitas combinações, muitas variáveis.

Eu diria, em resumo, que são muitos candidatos a Bonaparte, mas é muito Bonaparte sem armas, sem exército e até sem o cavalo. Se eu fosse apostar, diria que no distintíssimo 2022, todos esses vão quebrar a cara. Veremos.