JONES MANOEL: Não, não vamos ocupar todos os espaços!

Identitarismo e a crítica marxista das opressões
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Lancei meu vídeo sobre representatividade e antirracismo de mercado. Basicamente, argumentei que no combate ao racismo, a representatividade só tem importância nos espaços de resistência e luta e que dentro da ordem dominante, no capitalismo-racista-colonial, a representatividade NÃO COMBATE o racismo; não só não combate, como é uma arma para fortalecê-lo.

Como eu esperava, recebi um questionamento interessante de várias pessoas. Qual a crítica?

O racismo e seus determinantes, como o extermínio da população negra, tem como fundamento a desumanização do negro. O negro é um “Outro” não humano, um ser “matável”, um tipo de corpo que não produz empatia. Essa visão do negro é construída, dentre outros elementos, porque nós sempre estamos nas posições mais subalternizadas, baixas e degradadas da sociedade. Não somos médicos, advogados, arquitetos, juízes, promotores, governadores, engenheiros, professores universitários e afins. Estamos, no geral, limpando a merda dessas pessoas e lavando seus carros.

A partir dessa reflexão, muitas pessoas do movimento negro entendem que ocupar todos esses espaços, lutar a partir de políticas públicas para promover de ascensão social dos negros, pode combater o efeito de desumanização do racismo e nos tornar menos matáveis.

Só tem um grande problema nessa lógica. O pressuposto de que é possível no capitalismo dependente brasileiro – não moramos na Península Nórdica – um tipo de mobilidade social tão grande que inverta a configuração étnico-racial das classes sociais do Brasil. Ou seja, um tipo de mobilidade social que até hoje só UM PAÍS da América Latina conheceu: Cuba depois da revolução.

Muitas pessoas esquecem, mas a população negra TEM CLASSE no Brasil. Os negros e negras são em sua maioria da classe TRABALHADORA. No Brasil, não existe uma burguesia negra e a porção negra das classes médias é bem pequena. Dizer que podemos ocupar “todos os espaços” como forma de combater o racismo é achar ser possível sem uma revolução, isto é, sem uma transformação radical da economia e do poder político, quebrar as barreiras de classe que impedem a mobilidade social e garantem que a maioria dos pobres nasçam, cresçam e morram pobres. É ignorar que no momento atual do país, o nosso nível de mobilidade social sempre baixa, tende a ficar paralisado.

Não, não vamos ocupar todos os espaços com políticas públicas. Políticas como cotas raciais são importantes, mas não tocam na base do sistema. Basta dizer que durante os governos petistas, quando as políticas de “igualdade racial”, tiveram o maior crescimento da história desse país, o número de negros e negras assassinados e encarcerados CRESCEU em ritmo ASSUSTADOR.

Políticas públicas de “igualdade” racial, na verdade, criam, no máximo, uma classe média negra maior. Seu maior efeito positivo é político e ideológico: colocar luz sobre o tema do racismo e da desigualdade étnico-racial. E no Brasil, o país do mito da democracia racial, isso é muito importante. Mas nenhuma ilusão pode ser tolerada.

Portanto, mantenho minha argumentação. Aliado a isso, tem outro problema. Eu repito: não quero ocupar a Globo com representatividade negra. Eu quero fechá-la. Não quero Sergio (s) Moro (s) de pele escura, quero destruir o judiciário burguês. A luta pelas políticas públicas é tática, nunca estratégica. E na luta por essas políticas não podemos criar a ideologia de que é possível destruir o racismo dentro do capitalismo.

Eu estou com Malcolm X “não existe capitalismo sem racismo” e não com a celebridade da moda que defende que é um grande avanço o Itaú colocar negros no seu comercial e garantir o “lugar de fala” de negros porque ela mesmo quer, em breve, fazer o comercial do banco.

Eu sou preto. E de tão preto, sou vermelho. Acredito na Revolução Brasileira e só com ela é que vamos destruir os senhores de engenho de ontem e de hoje.

Por Jones Manoel

  1. É desesperador ver esse discurso no movimento indígena. Além, só me falta arrancar os cabelos o medo de criticar e ser taxado de “branco que quer ensinar índio como fazer política”.
    E sabe quem foram os principais responsáveis por inculcar nos indígenas esse pensamento e yais práticas políticas?
    A própria esquerda reformista e empoderada, adoradores do discurso identitário- antropólogos, trabalhadores da educação, partidos como PT (que homologou menos terra que FHC mas que é ovacionado pelas políticas educacionais e de saúde para povos indígenas) – historicamente foram os que se aproximaram da luta indígena, principalmente pós anos 70.

    Na minha dissertação, que estudo a Educação Escolar Indígena diferenciada e específica como uma ferramenta política que faz parte de uma forma complexa da militância indígena frente ao estado, trago essa crítica, mas pisando em ovos.

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