Loucura, loucura, loucura: Huck e um projeto nacional sem Ciro

O apresentador Luciano Huck tem ao seu lado o apoio do grupo Globo, que sonha novamente ter um presidente para chamar de seu no comando da República. Huck representa bem um ideal social-liberal que não demoniza o mercado e apregoa contraprestações sociais compensatórias ao povo. Tendo no assistencialismo televisivo um capital político que consegue dialogar com uma massa de votos das classes C, D e E, antes território exclusivo do lulopetismo. Um potencial político que esbarra em desconfiança tanto à esquerda quanto à direita conservadora, que há décadas alimentam nos púlpitos eclesiásticos um discurso moralista antiglobo.
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Por Fernando Mendonça – Era inimaginável pensar há uma década que a retomada ou criação de um Projeto Nacional Desenvolvimento fosse feita entre empresariais, economistas e intelectuais aqui no Brasil. Sem dúvida, esse é um mérito de Ciro Gomes, que conseguiu revitalizar o termo, trazendo um projeto próprio, contemporâneo, alinhado às mais modernas práticas e políticas de desenvolvimento no mundo.

O que, no início da campanha de Ciro Gomes à presidência em 2018, era tratado com deboche, passou a ser reconhecido como projeto sério (não que nunca o tenha sido) alternativo à nação. A explosão da desigualdade no mundo e a própria pandemia fizeram com que os mais fervorosos economistas liberais, seja aqui no Brasil, seja no mundo, passassem a rever suas opiniões. A questão do desenvolvimento, da desigualdade, uma rediscussão do papel do Estado e do próprio tamanho e influência do mercado financeiro especulativo nos rumos da economia passaram a ser assuntos frequentes em todo o globo.

No Brasil, ao que tudo indica, os próprios setores empresariais e o mercado começaram a entender a necessidade de um projeto de médio a longo prazo, no qual o Estado fomente um crescimento econômico sustentável. O lançamento do novo livro do Ciro, “PROJETO NACIONAL: O DEVER DA ESPERANÇA”, foi apenas mais um capítulo na consolidação dessa corrente política que se opõe ao neoliberalismo mofado que perde relevância aos olhos vistos no debate nos rumos da nação. Ainda longe de ser consenso, mas beirando uma maioria, parece sim que elite econômica brasileira já aceita necessidade de um projeto de desenvolvimento com início meio e fim.

Não há grande contestações argumentativas ao que Ciro propõe, contrário, vozes dantes radicalmente liberais, como André Lara Resende, já vem inclusive propondo modelos ainda mais ousados do que o proposto pelo ex-ministro da Fazenda. Diante dá quase inevitabilidade da implementação no Brasil, em algum momento, de um projeto que traga novamente ao Estado o papel basilar de um forte investidor público aliado a iniciativa privada, faz com que os mesmos players do mercado, que antes jocosamente combatiam a ideia de um novo PND, pensem em como domar essa implementação.

Ao que aparenta, para parcela da nossa elite econômica, ligados ao rentismo, o financismo do mercado financeiro, parceiros dos grandes grupos de mídia, o problema do Projeto Nacional Desenvolvimentista de Ciro não é o Projeto, e sim o próprio Ciro. A recente e ainda atual experiência Bolsonaro, faz com que essa parcela da elite entenda que não basta ter Ministros e secretários alinhados as suas expectativas, é necessário ter “a caneta na mão”. Um chefe do executivo não só alinhado, mas como convicto do projeto de manutenção dos grandes lucros rentistas em solo brasileiro. Há um trauma quanto a armadilhas como a qual está hoje o ministro Paulo Guedes. Um convicto da pauta liberal financista, mas sem força política para tanto manobrar o congresso para implementar as reformas liberais desejadas e sem apoio interno para mexer nas estruturas e realizar as privatizações tão queridas pelo mercado. Se se aceita que alguns conceitos de um PND sejam implementados, tendo em vista que a omissão estatal no rumo da economia não é mais uma opção viável no mundo pós-COVID, esta parcela não aceita um desmonte total de uma estrutura que há anos vem enriquecendo uma minoria da sociedade e setores externos.

O mercado não teme que Ciro Gomes não cumpra acordos ou que gere déficit dentro de uma espiral de irresponsabilidade fiscal, o que é bem sabido pelo mercado financeiro não ser o perfil do ex-Governador do Ceará. O temor é que Ciro mexa na caixa preta desse sistema que tem desindustrializado o Brasil e ampliado as desigualdades. É necessário alguém de “confiança”, que aplique alguns conceitos desenvolvimentistas, mas preservando o poder econômico dessa elite.

A falta de apetite e habilidade política de Mouro, a pouca penetração nacional de Mandetta e as trapalhadas de João Dória, que não consegue nem capitalizar que seu estado tenha produzido a primeira vacina contra COVID em solo brasileiro, fazem com que os farialimers de novo olhem para Luciano Huck. Não por convicção, mas por falta de opção.

O apresentador Luciano Huck tem ao seu lado o apoio do grupo Globo, que sonha novamente ter um presidente para chamar de seu no comando da República. Huck representa bem um ideal social-liberal que não demoniza o mercado e apregoa contraprestações sociais compensatórias ao povo. Tendo no assistencialismo televisivo um capital político que consegue dialogar com uma massa de votos das classes C, D e E, antes território exclusivo do lulopetismo. Um potencial político que esbarra em desconfiança tanto à esquerda quanto à direita conservadora, que há décadas alimentam nos púlpitos eclesiásticos um discurso moralista antiglobo.

Diante do quadro social atual, não parece ser um discurso liberal que vá encantar parcela da população como o foi em 2018, o que explica porque Luciano começa a se utilizar de conceitos muito próximos aos utilizados por Ciro Gomes. Defender taxação de grandes fortunas, se oferecer a pagar “impostos sobre seus iates”, falar de projeto de nação já parece ser Huck tentando ocupar esse papel: um “PND” sem Ciro, assistencialista, mas que, ainda sim, diga amém ao mercado. Em um recente artigo na Revista VEJA, Luciano faz uma verdadeira prestação de contas acerca de seus atos durante a pandemia, elogia Bolsa Família, fala da necessidade de um projeto de nação, acena aos agentes da Faria Lima, convoca a uma grande união nacional para discutir o país, tudo em um mesmo texto. Só faltando expressamente pedir a cabeceira da mesa nessa “santa ceia”.

A grande mídia aparenta querer dar mais uma chance ao apresentador, que falhou em se projetar em 2019 e 2020. Nos últimos dias, notícias generosas saem a seu respeito nos grandes veículos. Repercutem, de forma exaustiva, as tentativas do global em tentar pautar as discussões acerca dos rumos do país. Como dito anteriormente, tal movimentação não é por convicção ao nome de Luciano, mas por uma necessidade. Huck ainda tem muito caminho pela frente. Encontra resistências enormes na classe política que temem um novo “estagiário”, alguém de fora do ramo. Essa mesma classe que, interessantemente, ao falar da construção de uma candidatura no centro democrático para contrapor Bolsonaro, fala de uma construção de centro a centro esquerda, mesmo com a esquerda semifalida, abrindo mão de uma disputa na direita reacionária moralista de Bolsonaro. Não veem grandes diálogos com fanatismos. Não há interlocutores, todos, que antes eram escamoteados, hoje estão agarrados ao poder e dispostos a fazer tudo a mantê-lo, mesmo que isso significa ser base de apoio ao desastroso governo bolsonarista.

Mas seria Luciano Huck o nome capaz de levar em frente esse projeto de manutenção da agenda econômica tão cara ao mercado, com todas as nuances exigidas em tempo atual. Só o tempo irá dizer. E Ciro Gomes continua a apregoar seu PND, conseguindo a cada dia cada vez mais simpatizante a sua corrente de pensamento. Um PND sem Ciro? A ver…

Por: Fernando Mendonça.
Jurista, Especialista em Direto Público

O apresentador Luciano Huck tem ao seu lado o apoio do grupo Globo, que sonha novamente ter um presidente para chamar de seu no comando da República. Huck representa bem um ideal social-liberal que não demoniza o mercado e apregoa contraprestações sociais compensatórias ao povo. Tendo no assistencialismo televisivo um capital político que consegue dialogar com uma massa de votos das classes C, D e E, antes território exclusivo do lulopetismo. Um potencial político que esbarra em desconfiança tanto à esquerda quanto à direita conservadora, que há décadas alimentam nos púlpitos eclesiásticos um discurso moralista antiglobo.