O obsceno lucro do Itaú e a Reforma da Previdência

O obsceno lucro do Itaú e a Reforma da Previdência
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O anúncio do obsceno lucro do Itaú de R$ 7 bilhões em um único trimestre não é somente um escárnio com o povo brasileiro, devastado pelo desemprego. Ele é a faceta mais crua da modalidade contemporânea de dependência que submete o Brasil em uma condição colonial: a financeirização. A Reforma da Previdência feita por esse governo antinacional é mais um grilhão que mantém o Brasil nessa posição subordinada.

Uma das falácias mais ventiladas na opinião pública, tanto a esquerda quanto a direita, é que o neoliberalismo é caracterizado pelo Estado Mínimo. Na verdade, o Estado é central para o Capital na era da financeirização, pois o mecanismo da dívida pública é o coração da valorização do capital fictício na forma de títulos do Tesouro. No lugar de funcionar como motor do desenvolvimento nacional por meio de um forte Planejamento, o Estado é reduzido a um mero extrator de mais-valor incorporado em impostos que então são desviados para o setor financeiro. Em vez do mais-valor ser acumulado como máquinas cada vez mais sofisticadas que aumentam a produtividade da indústria, ele se torna números em uma planilha de excel e renda para uma elite parasita cada vez mais disfuncional para o próprio capitalismo. O sucateamento da Administração Pública é parte desse projeto e de modo algum contradiz o fortalecimento do Estado em seu papel de plataforma de valorização do capital fictício.

O superávit fiscal a qualquer custo é parte essencial desse mecanismo. É claro que um Planejamento Estratégico para o Brasil não pode prescindir de responsabilidade fiscal. A emissão de moeda desenfreada beneficia muito mais os importadores em um país cuja indústria foi destruída por uma abertura econômica desenfreada, além de aumentar a massa de títulos públicos na carteira dos bancos. Mas o Teto de Gastos e outros dispositivos constitucionais impactam justamente os gastos discricionários do governo federal – o estreito espaço de manobra disponível no orçamento da União para a realização de investimentos em infraestrutura e outros segmentos centrais para a reindustrialização do Brasil. Obviamente, esses dispositivos não afetaram o serviço da dívida. O Estado ficou completamente amordaçado e sua imensa força voltada quase exclusivamente para beneficiar os bancos.

A Reforma da Previdência ao atacar a renda disponível no segmento de menor remuneração do mercado de trabalho acrescenta mais uma camada no projeto de recolonização do Brasil. A cesta de bens consumidos pelos mais pobres apresenta um menor coeficiente de importação quando comparado a padrão de consumo da classe média. Diminuir a capacidade de consumo dessa faixa significa restringir ainda mais a já quase destruída demanda agregada interna da economia nacional no médio e longo prazo, além dos efeitos nefastos sobre a qualidade de vida da maioria do povo brasileiro. A contribuição previdenciária torna-se mais uma válvula de sucção para a valorização do capital fictício.

Mas não é só isso. Na Reforma da Previdência de 2003, foram criados fundos de previdência complementar para os servidores públicos que ganham mais do que o teto do INSS (cerca de 5 salários mínimos).  Essa regra é opcional para os funcionários públicos empossados antes de 2013 e obrigatória para os demais servidores que queiram aposentar-se com seus salários (a adesão, no entanto, é voluntária). Para os assalariados de classe média do mercado formal que ganham mais do que o teto, a previdência complementar privada é o caminho para a manutenção de suas rendas depois da aposentadoria.

O sonho de Paulo Guedes sempre foi a capitalização privada tal como existe na previdência complementar da classe média assalariada do setor privado. Inicialmente, foi aventada a possibilidade de se estender essa modalidade de capitalização para todos os assalariados, trabalhadores e classe média, do Regime Geral e dos Regimes Próprios. Caso seu projeto tivesse se realizado, o grau de financeirização da economia nacional teria se aprofundado enormemente. Uma massa colossal de valor extraído na forma de contribuição previdenciária (que é tributo!) teria se convertido em capital fictício, aumentando o controle que os bancos possuem sobre o Brasil.

Porém, um fragmento de seu sonho continua podendo se concretizar. Na PEC aprovada em primeiro turno na câmara, há um dispositivo obscuro oculto em um parágrafo a ser acrescentado no artigo 40 da constituição federal que permite a privatização desses sistemas de previdência complementar. Atualmente públicos, os fundos como Funpresp para União e Prevcom para o governo do Estado de São Paulo são mecanismos de capitalização pública.

Há uma gigantesca diferença entre a capitalização pública e a capitalização privada. A segunda é um mecanismo para se ampliar a massa de mais-valor convertida em capital fictício nas mãos dos bancos. Já a capitalização pública, quando manejada em conjunto com Projeto Nacional de Desenvolvimento, seria uma fonte alternativa de financiamento para o Estado poder realizar as obras necessárias para a retomada da industrialização do país, elevando a demanda agregada em setores com menor tendência a importar ou importando tecnologias estratégicas para a indústria nacional no lugar de bens de consumo. Em vez dessa massa de mais-valor virar mais capital fictício, ela se corporifica em bens de capital capazes de aumentar a produtividade da economia nacional como ferrovias, portos, estradas, refinarias de petróleo, hidrelétricas e etc. Todos rentáveis e capazes de promover acumulação nas mãos do governo federal.

No plano de governo de Ciro Gomes, era prevista a capitalização pública para os assalariados que ganham mais de R$ 4 mil. Tomando-se o salário do Dieese como valor de reprodução do trabalhador brasileiro, esse teto significaria que uma parcela do mais-valor paga na forma de salários da classe média seria acumulada pelo setor público como infraestrutura para o Brasil. Tratava-se efetivamente de uma planificação parcial do sistema financeiro nacional. Retirava-se uma pequena fração do salário das tecnocracias das transnacionais e da burocracia estatal melhor remunerada – aqueles que ganham mais de 4 mil R$ – para se contornar o mercado na financiamento dos investimentos da União.

Infelizmente, Ciro não foi eleito e agora testemunhamos a maior desmanche de um Estado terceiro-mundista desde o colapso da URSS. Os títulos públicos na carteira de investimento do Itaú explicam boa parte dos seus obscenos lucros. A cada dia assistimos passivamente a recolonização do Brasil pelo governo de Bolsonaro. Precisamos começar a pensar o Brasil estrategicamente, discutindo modelos de planejamento para o país como a planificação parcial do sistema financeira pela capitalização pública.