Lula e as outras razões para o ódio

Lula é o preferido do eleitorado paulista segundo pesquisa
Foto por Andre Dusek
Botão Siga o Disparada no Google News

No centro argumentativo de sua permanente memória e defesa dos anos em que governou o país, Lula continua colocando a presença das classes populares em aeroportos, restaurantes e demais ambientes dos quais nossa histórica exclusão social sempre os alheou.

Na entrevista concedida a Glenn Greenwald, mais uma vez ele afirmou que foi isto o fator decisivo para que o ódio antipetista fosse despertado.

Acredito que isto não seja sociologicamente mensurável, então, para mim isto é apenas uma opinião de Lula. Se ele pode dar a dele, também posso dar a minha. A minha opinião é de que este argumento é falso.

De partida, deixo claro que percebo, condeno e detesto a postura doentia com a qual as classes dominantes sempre desrespeitaram o povo brasileiro. Porém, isto não apareceu nos anos Lula. Que disparate! Como se o Udenismo – este câncer político e histórico – não encarnasse a longa tradição de ensinar o país a odiar seu próprio povo e a si mesmo. Tal como aqueles que sempre batalharam contra o ódio social, o próprio ódio social vem de longe.

Dito isto, vejamos.

Um traço psicológico pouco mencionado em relação aos anos petistas foi a sua assumida arrogância. Uma expressão que bem a revelava era o famoso bordão “Nunca antes na história deste país…”. Para quem agora afirma que a conciliação e o respeito sempre foram sua regra, Lula se esquece do trato excludente e diminuidor que legou a tudo que veio e foi feito antes dele.

Outro ponto característico dos anos Lula e Dilma foi a malversação da realidade. Quem não se lembra das campanhas eleitorais em que se afirmava com todas as letras que mais de 20 milhões de pessoas haviam deixado a pobreza? Seria certo dizer que haviam adquirido bens duráveis a crédito, que o nível de emprego aumentara, que se poderia um dia vislumbrar sua saída da pobreza. Mas não que eles haviam deixado de ser pobres. Assim não fosse, por que mandar o IBGE redefinir pobreza em novos patamares de renda, a fim de produzir uma distorção estatística que lhe seria favorável?

Na política, houve muitos motivos para o acúmulo de irritação. Já não se podia divergir do petismo, porque o risco era ser taxado como inimigo do povo. Ameaçar seu espaço político então, nem pensar! Bastou que Marina Silva em 2010 (para ficar em apenas um exemplo) aparecesse bem numa pesquisa contra Dilma, que a porta do inferno se abriu sobre ela. É dessa campanha o infame vídeo que mostrava a comida sendo tirada da mesa de uma família trabalhadora. Nem vou citar o caso mais recente e dramático (2018) para não alimentar ainda mais polêmicas. Mas vale recordar o peso da imposição de alianças com bandidos do PMDB em todo o Brasil, o silenciamento de críticas, a exclusão de muitas personalidades importantes até mesmo dentro do próprio PT (Olívio Dutra, Paulo Paim, José Genoino, Eduardo Suplicy e tantos outros viraram um pó desimportante para abrilhantar Lula, que agora andava ao lado de Henrique Meirelles e outros do mesmo naipe).

Aliados históricos dos mais variados segmentos ideológicos tiveram também fortes razões para decepção ao ver que a longa e insistente trajetória de Lula até a chegada ao poder descambou para um social liberalismo caracterizado por políticas sociais de balcão. Financiadas, aliás, por força de um acaso: o famoso superciclo das commodities, sem o qual nem metade daquelas iniciativas poderia ser feita (recordemos que Palocci, Mantega e Meirelles mantinham o tripé macroeconômico de FHC e Pedro Malan intacto). Mas, de repente, o ambiente era o de um quartel político em que não cabiam críticas: a ordem era elogiar o “pragmatismo” e tocar para frente um Brasil sem transformações estruturais. De repente, a ordem era que nos contentássemos com um paliativo ao subdesenvolvimento crônico.

No meio empresarial, a relação se conturbou quando, a pretexto de uma política de campeões nacionais, formou-se um clube de corporações amigas do poder. Política de campeões nacionais é um instrumento legítimo, mas aquilo era a separação arbitrária de setores econômicos entre vencedores e perdedores. Com critérios duvidosos, a gestão Lula/Dilma formou conglomerados como JBS e Oi, e lhes entregou financiamentos públicos avantajados, enquanto a seus competidores legou a dureza do mercado livre. Depois vieram desonerações seletivas e financiamentos inócuos, e o resultado destas linhas de ação foi a antipatia crescente, agravada por uma política de juros e endividamento interno que contribuíram para o atual estado de desindustrialização e desemprego.

Haveria muitas outras razões para que determinados setores da sociedade brasileira tenham acumulado rancor contra Lula e seu partido. Mas daqui, de onde vivemos nós, os brasileiros normais, foi muito visível um fator específico de irritação, que atende pelo nome de Dilma Rousseff. Para os setores mais conservadores, a indicação foi vista como um esquema rastaquera para manutenção do poder através de um preposto obediente. Para os setores progressistas, foi a declaração final de que a “excelência técnica e gerencial” se sobrepunha a qualquer projeto ou sonho de país, e também de que não havia vida fora do PT. Sem esquecer que, naquele fatídico 2010, Michel Temer, Eduardo Cunha e seus “bons companheiros” foram alçados ao centro do poder pelo próprio Lula.

Bem, por falta de espaço e tempo, paro aqui uma lista que tenderia a ser muito maior. Porém, espero que minha opinião tenha ficado clara: há muitas e muitas mais razões para que o Brasil inteiro – ainda que por razões diferentes entre si – tenha criado ranço, raiva, rancor e, também, ódio à figura de Lula e seu partido.

Explicar este fenômeno apenas pelo histórico desrespeito do andar de cima pelo andar de baixo é, na verdade, vilipendiar o povo mais uma vez. Lula: não use o povo brasileiro para justificar o rancor que você alimentou contra si por tantas outras razões.