O 24 de agosto de Lula

O Partido da Lava Jato, portanto, movimentou suas peças. Os bispos, as torres e os cavalos. Lula foi enquadrado na posição de xeque. Assim encontrava-se o tabuleiro por volta das 16h dessa sexta-feira. Um movimento simples com peões iniciou a reviravolta, assim que o povo se dirigiu em peso aos entornos da localização do presidente.
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Getúlio Vargas vivia uma situação de completa desvantagem política quando decidiu desferir um tiro de revólver contra o próprio peito. O ato político de seu suicídio construiu a reviravolta que garantiria seu legado por mais dez anos. O pacto que se construía contra o Brasil de Getúlio teve que aguardar, tamanha a comoção popular que resultou daquela decisão. O dia 24 de agosto de 1954 alongou-se a ponto de terminar somente na manhã de 1º de abril de 1964.

Passada a intensa sexta-feira envolta na expectativa sobre a prisão do presidente Lula, a impressão que fica é a de vivermos num desses momentos-chave da história em que pequenos detalhes, formando-se lentamente diante dos nossos olhos, desencadeiam efeitos que ainda não temos a capacidade de medir.

Após a rápida expedição do mandado de prisão de Lula, realizada pelo juiz Sérgio Moro em Curitiba, era dado como certo que até as 17h da sexta-feira (6) o presidente se encontraria preso. A mídia foi tomada por um frenesi há muito esperado. Os setores mais conservadores e reacionários da sociedade se alvoroçaram. O voo alçado foi tão alto, no entanto, que a queda que se assistiu revelou-se praticamente mortal.

A reunião de pessoas ao redor do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, que parecia tranquila até por volta das 16h, transformou-se num verdadeiro caldeirão diante da aproximação do momento mais esperado: Lula se entregaria ou resistiria?

Movimentos sociais e partidos políticos do campo progressista pediram a resistência do presidente, que ele não se entregasse. Ao fim do dia, nem a polícia federal, nem o poder judiciário, nem a mídia, todos diminuídos, souberam como reagir. Lula continua em liberdade e tomou uma decisão que, guardadas as devidas proporções, pode transformar a manhã de sábado, 7 de abril de 2018, em seu próprio dia 24 de agosto de 1954.

No próprio Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, ocorrerá  às 9h00 da manhã deste sábado uma missa para sua falecida esposa, Marisa Letícia, que completaria 68 anos. Marisa faleceu em 3 de fevereiro de 2017, vítima de um derrame cerebral durante plena perseguição judicial a ela e seu marido por ordem das forças que compõe o Partido da Lava Jato.

Engana-se quem pensa que a Lava Jato passará o país a limpo. A manobra realizada pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, para votar o habeas corpus de Lula antes de decidir sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade que versa sobre a prisão em segunda instância, demonstradamente tinha o objetivo de conquistar a prisão do presidente. Fosse pautada a ADC antes da votação sobre o habeas corpus, o mandado de prisão jamais poderia ter sido expedido, em velocidade recorde, pelo juiz Sério Moro.

A expectativa, como se sabe, é afastar da corrida eleitoral o candidato com mais intenções de voto em todos os cenários especulados.

O Partido da Lava Jato, portanto, movimentou suas peças. Os bispos, as torres e os cavalos. Lula foi enquadrado na posição de xeque. Assim encontrava-se o tabuleiro por volta das 16h dessa sexta-feira. Um movimento simples com peões iniciou a reviravolta, assim que o povo se dirigiu em peso aos entornos da localização do presidente.

Se é possível vencer uma partida de xadrez com as peças que Lula dispõe, é difícil saber. A única certeza é que, terminado o jogo, as peças não podem ser repostas. Derrubado o Rei, os peões permanecerão em suas posições, as torres quebradas não serão reconstruídas e os cavalos desmontados não reaverão seu cavaleiros. Quanto aos bispos, estes podem facilmente ser imobilizados por uma cadeia de peões.

A missa para Marisa se dará em clima de comoção total, sendo impossível medir no momento quais serão as repercussões de amanhã no imaginário popular. Empurrado pelo povo, Lula segue em pé. E mesmo que parte da sociedade não entenda, não concorde, ou simplesmente rejeite, isso é um fato. Não se trata mais de mera retórica de resistência, trata-se de uma verdade e um reflexo da correlação de forças atual. Do contrário, Lula teria se apresentado em Curitiba sete horas atrás.