Maduro manda o recado

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O simples fato da Folha de São Paulo, um dos órgãos midiáticos da alta burguesia paulistana, aceitar entrevistar o legítimo presidente venezuelano Nicolás Maduro em Caracas, ainda mais referindo-se a ele como presidente e não como “ditador” (contrariando o comando editorial vigente nesse mesmo jornal desde 2017), atesta o triunfo do atual mandatário da Venezuela sobre a oposição golpista de seu país, articulada com apoio externo dos EUA e de muitos (des)governos sul-americanos, como o de Iván Duque na Colômbia e o de Jair Bolsonaro no Brasil. Apesar da Folha de São Paulo não dar o braço a torcer e posicionar dados estatísticos e imagens no miolo da publicação impressa e digital da entrevista para induzir o leitor a reprovar o governo de Maduro, fica clara a rendição do jornal ao fato de ser Maduro, e não qualquer mercenário de quinta categoria como Juan Guaidó, o legítimo presidente da Venezuela.

Triunfo esse que, como o leitor pode entender ao longo da entrevista, não foi conquistado com meras admoestações verbais, palavras de ordem e campanhas sobre as virtudes morais de uma democracia em abstrato, mas com habilidosas movimentações no tabuleiro da realpolitik nacional e internacional. Os exemplos citados por Maduro comprovam a seriedade e a consistência da estratégia política bolivariana, desde os tempos de Hugo Chávez: a coesão das Forças Armadas venezuelanas na defesa e na construção da institucionalidade nacional-popular, a retirada da Venezuela, em 2012, do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), dificultando ataques imperialistas ao país caribenho, e os acordos militares com Rússia e China, dois países cujo poderio bélico e econômico pode contrabalançar o dos EUA no continente e, em particular, na Venezuela. A guerra, avisa Maduro, pode custar caro aos inimigos da Venezuela, os únicos interessados nela. O apoio popular ao bolivarianismo, expresso em sucessivas vitórias eleitorais é, em grande parte, o prêmio aos atuais governantes pela construção de bases firmes para o exercício do poder popular.

Pela força do contraste, Maduro denuncia, sutilmente, a fraqueza das oligarquias contrárias a seu governo, dentro e fora da Venezuela, cuja única sustentação repousa na força militar, financeira e ideológica dos EUA. Por essas oligarquias agirem exclusivamente como cães de guarda dos interesses estadunidenses na América Latina, são incapazes de produzir a ordem e a unidade em seus próprios países e ameaçam diretamente a Venezuela. Como o entrevistado muito bem percebe, tais oligarquias não são representadas apenas pela extrema-direita hidrófoba dos Duques e Bolsonaros, mas também por uma certa esquerda de pendor liberal e cosmopolita cujo papel deliberado é servir de “face humana” do imperialismo, como são os casos da ex-presidente chilena Michele Bachelet e do ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica.

No caso específico de Bolsonaro, que humilha o Brasil na sanha de ser o primeiro-capacho dos EUA, Maduro é categórico ao afirmar que ele não consegue ser tão ruim quanto a direita venezuelana. Para Bolsonaro e seu séquito, não ser considerado o pior da direita sul-americana por Maduro deve ser um soco no ego. E se Bolsonaro, com sua truculência habitual, quiser responder com uma guerra ou mais uma ameaça de guerra, terá que enfrentar não só as bravas e unidas Forças Armadas da Venezuela e o apoio russo e chinês ao país caribenho, como também o sucateamento das Forças Armadas brasileiras, que é sucateada pelo (des)governo lesa-pátria de Bolsonaro, ironicamente com forte representação militar, que as fará ter, em 2020, o menor orçamento desde 2005, afetando inclusive projetos estratégicos[1]. Que inveja os militares venezuelanos, cada vez mais bem treinados e equipados, não devem causar nos seus homólogos brasileiros! Que sirva de lição para os militares brasileiros que, no Estado mínimo neoliberal, não há espaço para a defesa nacional e uma força militar pujante e capaz de cumprir com os seus desígnios, e que nenhum anticomunismo irracional poderá resolver esse problema.

Essa histórica entrevista assinala o reconhecimento de fração significativa da burguesia brasileira da vitória de Maduro e da Venezuela soberana e popular sobre o Império estadunidense e seus serviçais oligárquicos venezuelanos e em todo o que um dia se costumou chamar de Terceiro Mundo. Não surpreendentemente, a matéria não durou um dia inteiro como destaque nos portais da Folha de São Paulo e do Uol. Nada que mude o fato de Maduro ter dado o seu recado. Quem tiver olhos que leia. Não é todo dia que o baronato midiático brasileiro abre espaço para uma liderança nacional-popular exibir, com orgulho merecido, a vitória de todo um povo historicamente subjugado e, portanto, de todos os povos.