Marina Silva: a flor e a náusea

Marina Silva, pré-candidata à presidência em 2018
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Em 2014, uma flor nasceu na rua. Furou o asfalto, o tédio, o nojo, mas não o ódio. A “nova política” de Marina Silva é uma flor que nasce do escombro moral dos governos petistas. A flor tentou furar o concreto da polarização, mas logo murchou. Não resistiu ao veneno difamatório da central de destruição de reputações do PT. Tampouco resistiu à secura de suas próprias ideias. Furou o asfalto, e fanou. Quatro anos se passaram. Galinhas em pânico! Sua cor não se percebe, suas pétalas não se abrem. É feia. Mas, pelo Datafolha, com 15% das intenções de voto, é realmente uma flor. Furou o asfalto. Mas será que furou o tédio, o nojo e o ódio?

O tédio a flor não furou. Na relação com o Congresso, continua a pregar que “governará com os melhores”. Tem dois dos 513 deputados. Questionada quanto ao posicionamento político, reza que não é de direita, nem de esquerda, mas que está à frente. Oi? Sobre o Brasil, suplica: “Refundar a República”. Uaaaaala. Em relação à economia, a flor oscila ao sabor dos ventos. Se nas eleições passadas se ajoelhou ao mercado e propôs a independência do Banco Central, hoje bambeia por um plano nacional para desenvolver a indústria, a partir de investimentos estatais. Onde estará Eduardo Giannetti que, em 2014, filosofava que com uma “gestão econômica técnica” (leia-se ortodoxa; leia-se neoliberal) faria com que o brasileiro voltasse a ser feliz, voltasse a falar sobre futebol e esquecesse economia?

(O leitor vai me desculpando. Não resisti. É que não aguento a voz. Fica o ruído do zumbido. Um agudo-fanho: náusea. Aparece de quatro em quatro anos para não onerar tímpanos? Maiakovski dizia que era melhor morrer de vodca do que de tédio. Hoje só ouço Marina no mute, com legenda e uma dose de orloff. Bom, dá mais um trago aqui e bora voltar pra mesa. Não conta pra ninguém não, viu?)

Furou o nojo? A “nova política” é precisamente a antipolítica. Sua proposta de “gestão técnica” da economia busca despolitizar conflito social em torno do orçamento público: não se fala em juros para o rentismo. Marina e sua Rede apoiaram o golpe sem qualquer crítica à tramoia de Jucá. Louvam a Lava Jato sobre todas as coisas, ignorando todos os seus pecados. Quando diz que em uma República “os políticos não tem muito poder, quem tem poder é a lei”, responde às sondagens que indicam o descrédito popular para com a política. Quando recruta magistrados para disputar eleições, está cacifando seu ethos de virtude. Marina é cálculo. Mas se a identidade política se constrói a partir do estabelecimento de uma fronteira antagônica, quem seria o antagonista de Marina Silva? Rezaria a flor: “os políticos e os combustíveis fósseis”. Marina é o neoliberalismo de face humana.

Com 15%, Marina é a flor que furou o asfalto. Não furou o ódio, porque o ódio é imperfurável. Bolsonaro, o jumento rábico, mordeu irredutíveis 17%, mas não ganhará no segundo turno. Então o mercado precisa regar a flor com carinho. Uma flor que sabe ser carnívora. Terá dez segundos de TV para explorar lavajateiramente a tragédia econômica e a podridão política do petismo buscando mastigar eleitores do Boçal. Mas sua grande aposta será o moralismo neoliberal. É assim que o Estadão tecerá a ela editoriais beneficentes. É assim que Giannetti acampará na Globonews. É assim FHC fará hidroginástica intelectual. É assim que Dallagnol fará textão no face. É assim que liderará o “centro democrático” da Faria Lima.

O mercado mercantilizará Marina como a flor da esperança: a “nova política” para conservar o velho Brasil, sustentável para os ricos. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. Ou será uma náusea? O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse.