GILBERTO MARINGONI: A notável coerência de Joaquim Levy

GILBERTO MARINGONI: A notável coerência de Joaquim Levy
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A indicação de Joaquim Levy para presidir o BNDES no governo Bolsonaro merece uma reflexão sobre três gestões federais que utilizaram seus serviços..

Embora sua carreira acadêmica tenha sido curta, Levy deve ser exaltado como um economista de notável coerência e honestidade intelectual. Jamais se desviou da rota liberal ou escondeu o que pensa. Após uma carreira internacional no FMI e no BID – indicado pelos governos Collor de Mello e FHC – , este carioca de 57 anos foi nomeado, em 2000, secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. No ano seguinte, tornou-se economista-chefe do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Eram tempos do tucanato no Planalto.

PARA SURPRESA DE MUITOS, foi convocado para dirigir a poderosa Secretaria do Tesouro Nacional, entre 2003-06, no primeiro governo Lula. Saiu de lá sem nenhuma reclamação pública por parte do governo ou da direção do Partido dos Trabalhadores.

Levy voltaria a merecer total confiança do PT ao ser nomeado para o principal cargo do ministério Dilma Rousseff, a pasta da Fazenda, em fins de 2014, após passagem pela primeira gestão de Sérgio Cabral (PMDB), no Rio de Janeiro. Lá deixou marcas de draconianos cortes de gastos.

ATÉ HOJE NÃO SE TEM NOTÍCIA de que alguém tenha colocado uma faca no pescoço da presidenta eleita com 54 milhões de votos para que escolhesse um destacado escudeiro do sistema financeiro e do ultraliberalismo. Dilma não apenas fez isso por livre e espontânea vontade, a exemplo de seus antecessores,  como dispensou Guido Mantega, que ocupava a pasta havia oito anos, de forma humilhante. “Governo novo, ideias novas”, afirmou ela no dia seguinte ao primeiro turno de 2014, deixando claro a troca.

No início de junho do ano seguinte, diante de um ajuste planejado em R$ 100 bilhões e seguidas elevações da taxa básica de juros, a presidenta fez uma declaração de inusitada lógica:  o Brasil “faz ajuste para crescer”. Seria mais ou menos como afirmar “vamos ligar o forno para congelar a carne”.

DEMONSTRANDO IRRESTRITO apoio ao seu Ministro da Fazenda, a mandatária aprofundou cortes em uma economia que exibia claros sinais de desaceleração, num quadro internacional de crise das commodities e desaquecimento dos mercados.

Os efeitos foram imediatos. O desemprego, que apresentava patamares de 4% em dezembro de 2014, saltou para 11%, em março de 2016. 13 milhões de brasileiros perderam seus postos de trabalho. Como se sabe, o PIB encolheu 3,8% em 2015 e 3,6% no ano seguinte. Contrariando promessas de campanha, o governo editou as medidas provisórias 664 e 665, que modificaram regras de concessão de benefícios trabalhistas.

Mesmo assim, a administração petista não demitiu Joaquim Levy. Ele é quem decidiu sair, em 18 de janeiro de 2015. No mês seguinte, a presidenta o nomeia diretor financeiro do Banco Mundial (BIRD), em Washington, cargo que ocupa até hoje.

A HECATOMBE ECONÔMICA promovida por Dilma e Levy solapou as bases de apoio do governo, abriu caminho para o avanço da direita e criou o ambiente de descontentamento popular propício para o golpe de abril de 2016. Hoje se percebe que a alta do desemprego enfraqueceu o movimento sindical e gerou condições necessárias para a aprovação da reforma trabalhista, há um ano.

A partir daí, o inédito crescimento do fascismo como força de massas mostrou-se como decorrência lógica da desesperança e do desencanto gerado pela inexplicável adoção da agenda defendida por Aécio Neves, oponente de Dilma, na campanha de 2014.

A NOTÁVEL RETIDÃO DO PENSAMENTO do ex-ministro da Fazenda o leva a ser novamente chamado para um cargo de suma importância. Treinado nas administrações petistas, ele tem um conhecimento da máquina pública muito superior ao de Paulo Guedes, até aqui a figura central da administração que se inicia em janeiro próximo. E pode lhe fazer sombra.

Tendo servido três governos, Joaquim Levy volta à vida pública com as mesmas ideias defendidas há quase três décadas. Todos os que se valeram de seus préstimos sabiam quem estavam chamando e para que tipo de serviço.

Ninguém pode dizer que errou ao convocá-lo.

Seria excesso de cara de pau.

(Quem quiser conhecer um pouco de seu pensamento, pode buscar artigos seus no site do Partido dos Trabalhadores)

Por Gilberto Maringoni