Mercosul: 25 anos do protocolo de Ouro Preto

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1 – INTRODUÇÃO

Com mais de duas décadas de existência, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é a mais abrangente iniciativa de integração regional da América Latina, surgida no contexto da redemocratização e reaproximação dos países da região ao final da década de 80. O bloco criado com o objetivo de ajudar os países sul-americanos a serem mais competitivos no cenário global se consolidou no governo de Itamar Franco.

Os membros fundadores do MERCOSUL são Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, signatários do Tratado de Assunção de 1991. A Venezuela aderiu ao Bloco em 2012, mas está suspensa, enquanto a Bolívia tem o “status” de Estado Associado em processo de adesão.

O Protocolo de Ouro Preto, assinado em 1994, estabeleceu a estrutura institucional básica do MERCOSUL e conferiu ao Bloco personalidade jurídica de direito internacional. O Protocolo consagrou, também, a regra do consenso no processo decisório, listou as fontes jurídicas do MERCOSUL e instituiu o princípio da vigência simultânea das normas adotadas pelos órgãos decisórios do Bloco. Essas informações estão contidas na página oficial e retratam as conquistas político-econômicas.

Em 2016 foram comemorados os 25 anos do Tratado de Assunção e, segundo o Itamarati, um dos grandes benefícios do Mercosul foi “estabelecer um círculo virtuoso de ganhos pela cooperação e ajudando a dissipar antigas e injustificadas rivalidades e enterrar de vez arcaicas hipóteses de conflito”.

Agora, nos 25 anos do Protocolo de Ouro Preto, vamos fazer uma reflexão econômica sobre os eventos e as pessoas que lutaram para, através da integração econômica, construir esse novo arranjo institucional que tem ajudado a promover a democracia, a paz e a solidariedade como valores a serem cultivados entre as nações.

2 – GEISEL – PRAGMATISMO RESPONSÁVEL E ECUMÊNICO

Segundo Vizentini (1998), dentre os governos militares, o do General Geisel foi que desenvolveu a política externa mais ousada. O principal projeto era o encaminhamento de um processo de abertura política, visto que para Geisel, o regime centralizador estava chegando ao seu limite, acreditava ser prudente antecipar-se aos fatos, preparando uma transição controlada rumo a um regime democrático, a ser estruturado antes que o descontentamento social aflorasse.

Com a posse de Geisel, inicia-se um lento processo de abertura interna, já no âmbito da política externa, o processo de mudança era mais ousado e continuado, iniciou-se um projeto de inserção autônoma na área internacional, a diplomacia se livrava das amarras da guerra fria aproximando-se dos princípios da PEI – Política Externa Independente, de Jânio Quadros e João Goulart. Segundo Fajardo “o Brasil ultrapassa a fase de alinhamento com os Estados Unidos e volta a se integrar à luta conduzida pelos países do terceiro mundo”(1).

A motivação conjuntural para este projeto encontrava-se nas profundas dificuldades econômicas em que o país estava mergulhado com a crise do petróleo. O fim do governo Médici anulava um dos principais legitimadores do regime, o sucesso econômico, sendo necessário proceder à abertura política para evitar uma radicalização e uma explosão. A reação econômica do governo Geisel frente à crise implicava numa alteração significativa nas relações exteriores, pois o capitalismo brasileiro atingira um nível de desenvolvimento que propiciava um alto grau de inserção mundial. O primeiro passo da diplomacia do chanceler Antônio Azeredo da Silveira foi aproximar-se dos países árabes. Aproximou-se também da China, da Europa Ocidental, e do Japão.

Com relação à América Latina, o Brasil estreitou relações com a Argentina com quem negociou a construção de barragens hidrelétricas na Bacia do Prata, obtendo um acordo durante o governo seguinte.

Mas foi na África que a política externa de Geisel foi reconhecida como a mais exitosa graças às estratégias de Ítalo Zappa.

3 – SARNEY – CULTURA COMO FATOR DE APROXIMAÇÃO

No ano de 1986, Sarney reatou as relações diplomáticas junto ao governo cubano. Do ponto de vista externo, isso representava o fim de um antigo discurso que rejeitava os partidos e nações que se mostravam favoráveis ao pensamento comunista e socialista. Internamente, essa mesma ação indicava que mais um resquício da ditadura militar era abandonado. Com chanceleres conservadores a retomada das relações com Cuba foram conduzidas no Ministério da Cultura pelo seu ministro Celso Furtado e seu assessor Ângelo Osvaldo.

Paralelamente, esse mesmo governo tomou várias medidas, interessadas em reforçar os laços entre o Brasil e os países africanos que falavam a língua portuguesa. Em um período de recessão, a busca por parcerias era fundamental para que o país tivesse possibilidades amplas de expandir suas fronteiras econômicas. Em 1989, já no fim desse governo, aconteceu na cidade de São Luís (MA) o Encontro de Chefes de Estado de Língua Oficial Portuguesa. Nessa oportunidade, tivemos a tomada de ações que formalizaram a Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa.

No que se refere às políticas voltadas para a América do Sul, o Brasil também tomou ações para que as relações junto ao governo argentino se tornassem cada vez mais próximas. Em novembro de 1985, José Sarney e o presidente argentino Raul Alfonsín assinaram a Declaração do Iguaçu. Do ponto de vista histórico, esse documento de cooperação foi de suma importância para que acordos com outras nações sul-americanas dessem origem ao Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), criado em 1991.

4 – ITAMAR – DESENVOLVIMENTO, DESARMAMENTO E DEMOCRACIA

No período, o presidente Itamar Franco sugeriu inclusive que fosse criada, em contrapartida à pretendida Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a Área de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa). Observou-se também a busca por melhores relações com os Estados Unidos, com a Comunidade Européia, com o Japão e a ampliação dos vínculos diplomáticos com China, Rússia e Índia.

Todavia, foi nos foros multilaterais onde melhor se pode perceber a atuação da diplomacia no sentido de imprimir maior visibilidade ao País frente à comunidade internacional. Assim, o Itamaraty buscou assegurar voz e voto para o Brasil no processo de reforma institucional da ordem internacional. Grande destaque foi concedido à defesa do sistema econômico multilateral, ao reforço do relacionamento com cada um dos três grandes espaços econômicos (NAFTA, CEE e Ásia/Pacífico) – sem, todavia, optar por associação com qualquer um deles –, ao aprofundamento da integração do Mercosul e à busca pela integração com o restante da América do Sul.

A vertente desenvolvimentista do período foi confirmada pela gestão do chanceler Celso Amorim, o qual assumiu a pasta das Relações Exteriores após a saída do ministro Fernando Henrique Cardoso. A saída de Cardoso para assumir o Ministério da Fazenda abriu novo espaço ao corpo diplomático brasileiro no sentido de este voltar a gerir a definição dos rumos da política externa. Com efeito, o tema do desenvolvimento retornou com força ao discurso diplomático, tendo o chanceler Amorim lançado mão, então, do que chamou de “diplomacia dos três Ds”: desenvolvimento, desarmamento e democracia; em uma clara paráfrase ao modelo proposto, na década de 1960, pelo ministro Araújo Castro, com sua também diplomacia dos três “Ds”: desenvolvimento, desarmamento e descolonização.

Em 1994, o ministro da fazenda Ciro Gomes faz uma viagem à Argentina e fecha um acordo sobre barreiras alfandegárias que são firmadas no Protocolo de Ouro Preto.

5 – CONTRAPONTO

5.1 – NEOLIBERALISMO DE COLLOR

O governo Collor de Mello marcou a evolução da política externa brasileira por representar, antes de tudo, a ruptura de um consenso “nacional-desenvolvimentista” iniciado a partir dos anos 1970, durante o governo Geisel. A principal característica desta ruptura seria a adoção do neoliberalismo como modelo de gestão macroeconômica, bem como um realinhamento internacional que permitisse levar a cabo o Consenso de Washington.

Nesse sentido, a agenda internacional brasileira que emergia com a eleição do presidente Collor construíra-se em torno de três grandes linhas de ação, quais sejam, a adequação do país aos novos temas e dinâmicas da “nova” ordem internacional; a construção de uma agenda positiva com os Estados Unidos, em contrapartida às tensas relações observadas ao longo dos últimos governos; um esforço de descaracterização do Brasil como país terceiro-mundista(Hirst e Pinheiro, 1995; Cervo, 1997).

5.2 – AUTONOMIA PELA INTEGRAÇÃO DE FHC

Essa evolução em direção ao paradigma da autonomia pela integração foi paulatina, tendo-se ampliado no final da gestão Abreu Sodré no Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante o governo Sarney e continuado na de Francisco Rezek no governo Collor de Mello. Na breve passagem de Celso Lafer pelo MRE, em 1992, a busca pelo refinamento teórico do novo modelo avançou, afirmando-se uma política que se caracterizaria pela busca de “relações externas universais, sem alinhamentos ou opções excludentes, com vistas a preservar a autonomia [pela integração] do país na sua atuação internacional”. O ex-governador de São Paulo José Serra chegou a chamar Ciro Gomes de enganador pela construção do Mercosul.

5.3 – FORO DE SÃO PAULO POR LULA

As iniciativas do Brasil são em três pontos basilares para impulsionar a integração regional: a infraestrutura, o potencial energético e a política de segurança e defesa.O desenvolvimento da infraestrutura regional é considerado imprescindível para viabilizar a comunicação entre os países do bloco e , nesse sentido, Samuel Pinheiro Guimarães destaca que é parte essencial da estratégia brasileira de integração proporcionar crédito aos países vizinhos para a execução de obras de infraestrutura.

5.4 – O PMDB DE TEMER, na visão de Roberto Requião

O Itamaraty de Sarney fundava-se no princípio da autodeterminação dos povos, recusava o alinhamento automático às grandes potências, defendia a multipolaridade, a integração e cooperação regional. Sarney, com o presidente argentino Raul Alfonsin, criou o Mercosul. Recusando-se submeter o Brasil aos interesses geopolíticos norte-americanos, Sarney normalizou nossas relações com Cuba e aproximou o nosso país dos países do leste europeu e com a China.

Quando o Fundo Monetário Internacional quis impor seu receituário de recessão, de cortes de gastos públicos, de arrocho salarial, Sarney optou pela moratória, em nome de nossa soberania.

E hoje, o que temos? Temos o Itamaraty retrocedendo às trevas, à política de linha auxiliar da agenda norte-americana. Voltamos a tirar os sapatos para o falido consenso de Washington. Há poucos meses, o Brasil está perfilando ao que existe de mais atrasado e obtuso na América Latina e conspira contra o Mercosul.

Enquanto os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos convergem na oposição firme a acordos comerciais que prejudiquem o país, Temer e Serra parecem querer ressuscitar a Alca e acorrentar o Brasil ao proveito da globalização neoliberal. O Itamaraty concede asilo ao um modelo de economia, e de relações internacionais, que está sendo escorraçado no mundo todo. Eis aí, opondo-se como a água ao óleo, o PMDB de Sarney e o PMDB de Temer.

6 – COMENTÁRIOS FINAIS

Nos 25 anos do Tratado de Assunção o governo brasileiro fez um balanço do que significava o Mercosul. Houve um salto quantitativo e qualitativo do comércio do Brasil com os parceiros, o Mercosul tornou-se nosso maior mercado para exportações de diversos bens industriais de alto valor agregado, assumindo enorme relevância para muitos setores da indústria brasileira, como o automotivo.

Maior valor agregado significa salários mais altos para o trabalhador e maior faturamento para as empresas. Estima-se que o salário médio em alguns setores que fornecem para mercados vizinhos chegue a ser cinco vezes maior que em setores como o primário exportador, cujos principais destinos estão na Europa e na Ásia. O Mercosul ajuda a elevar os salários do trabalhador brasileiro.

O conjunto de acordos sobre residência, trabalho, seguridade social, integração educacional e turismo do bloco facilita o cotidiano de muitos brasileiros e assenta os alicerces para a integração econômica e para o desenvolvimento de uma cidadania comum na região.

Nesse 17 de dezembro quando se comemora os 25 anos do Protocolo de Ouro Preto, marco econômico e institucional do Mercosul, é o momento de fazer um balanço equilibrado, identificar quem são seus artificies, reconhecer os ganhos, responder às críticas e identificar desafios que temos pela frente.

O Mercosul é uma longa construção fruto do empenho de governantes e diplomatas brasileiros que se esforçam para criar uma política de Estado. Essa construção pode ser vista de maneira clara nos últimos 50 anos na superposição de uma política externa independente dos governos Geisel, Sarney, Itamar Franco e Lula.

Mas também é uma construção feita por nomes como Araújo Castro, Azeredo da Silveira, Ítalo Zappa, Celso Furtado, Ângelo Oswaldo, Celso Amorim, Ciro Gomes, Roberto Requião e Samuel Pinheiro Guimarães.

Por Nelson de Mello Dantas Filho

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