O que não pode ser perdoado em Bolsonaro

Bolsonaro
Foto: Sérgio Lima/Poder 360
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Eu o perdoo, Bolsonaro, por suas renitentes declarações de imbecilidade e de insanidade no terreno político. Eu o perdoo pela disseminação do ódio contra oponentes reais e imaginários. Eu o perdoo pela traição ao povo que o elegeu na confiança de que seria um governo bom e limpo. Eu o perdoo até mesmo pela exibição na internet, com chancela presidencial, de obscenidades carnavalescas postas ao alcance de crianças e adolescentes. Com verdadeiro horror, eu o perdoo por violar o princípio de não intervenção na política de estados soberanos, já que seus generais aparentemente o contiveram. Tudo perdoável. Tudo, aos olhos da História, será irrelevante!

O que não se pode perdoar é sua omissão em face da degradação econômica e social do país. Vamos para o quinto ano seguido de depressão e de recessão, com a taxa de desemprego escalando a partir de um patamar já extremamente  elevado, mais de 13%, e não houve uma única iniciativa de seu governo para reverter a depressão. Enquanto isso você aproveita dias de glória nas festas relativas a datas pouco significativas de unidades militares, aproveitando o fato de que esse, aparentemente, é o único ambiente  em  que você se sente bem, longe do povo que lhe parece cada dia mais hostil e longe da imprensa que lhe quer fazer perguntas incômodas.

Seu governo me recorda um trecho dramático contra a escravatura em “Vozes d’África”, de Castro Alves: “Senhor Deus dos desgraçados,/ dizei-me vós, senhor Deus,/ se é mentira ou se é verdade,/ tanto horror perante os céus,/ oh mar, porque não apagas/ com a esponja de tuas vagas/ de teu manto esse borrão./ Ventos, noites, tempestades, /rolai das imensidades,/ varrei os mares tufão!” Haverá melhor descrição que essa dos momentos em que estamos vivendo, e da espúria falta de liderança a que estamos sendo submetidos?

Não falarei mais de Bolsonaro, mas  do general Mourão, o vice-presidente da República cooptado por  ele ou imposto a ele. Você, general, não é mais um homem isolado, mas um coletivo, ou seja, você representa os militares de alta patente que viabilizaram a vitória de Bolsonaro e que, até o momento, lhe deram sustentação no governo. Não sou eu que digo isso. Foi o próprio Bolsonaro, ao agradecer publicamente ao general Villas Boas, então comandante do Exército, um apoio sem o qual, disse ele, não teria sido eleito.

General Mourão, você e os demais militares de alta patente que estão no governo são responsáveis diretos por Jair Bolsonaro e sua estúpida administração. Estamos caminhando para uma situação de caos, orquestrado pelo ministro plenipotenciário da economia, produto ele da reconhecida e confessada imbecilidade econômica do presidente. A chamada reforma da Previdência vai incendiar o país. Compare o processo atual com 64, omitindo a perseguição política: o governo Castello buscou no meio civil os melhores quadros, entre os quais um gênio de planejamento, Roberto Campos. Depois, Delfim Netto e Reis Velloso. Portanto, o problema não é ser militar ou não, mas ser, naquele caso, um desenvolvimentista.

Campos viabilizou o financiamento de vários setores de infra-estrutura, através do BNDES e de fundos setoriais como o de telecomunicações, o rodoviário e do setor elétrico, criou o FGTS e o BNH, para operacionalizá-lo, e estabeleceu as bases para o relançamento da economia. Pode-se dizer tudo de Campos,  menos que não era um liberal. Mas era um liberal de pés no chão. Certa vez, conversando com ele, perguntei como  conciliava o fato de ter-se tornado um liberal “radical” com seu papel na construção do setor público brasileiro. “Me arrependi”, ironizou ele.

Delfim foi outro liberal estatizante. Criou o fundo 157, mais tarde estigmatizado por desvios, e controlou preços, mas houve a partir do fundo empreendimentos privados de grande sucesso, como, por exemplo, a Coteminas, que se tornaria a maior indústria têxtil brasileira e uma das maiores do mundo. Reis Velloso tocou o II Plano Nacional de Desenvolvimento com notável sucesso. Surgiram críticas posteriores porque a base de financiamento era principalmente o crédito externo, e a partir dos anos 80 do século passado entráramos em virtual moratória por causa da crise da dívida externa. Acontece que ninguém poderia prever que os juros norte-americanos explodiriam, e muito menos que os culpados por isso, os Estados Unidos, ficariam indiferentes ao destino dos países endividados.

O Governo Geisel fez importantes avanços na área social, inclusive no campo da Previdência e da Saúde. Já o atual governo pretende destruir a Previdência pública e erguer no seu lugar a Previdência da capitalização, ou seja, a previdência dos ricos. É um acinte. Vi algumas declarações suas, general Mourão, respaldando o projeto previdenciário de Guedes. Saia dessa. Você provavelmente não é um especialista no assunto, portanto deixa-o rolar na sociedade, sem risco de seu desgaste pessoal em relação a um projeto que não presta. Vou lhe dar a opinião de um economista e professor: a crise da Previdência se deve exclusivamente à crise da economia. Sem colocar a economia para funcionar, com taxas razoáveis de crescimento, jamais, jamais General, independentemente de qualquer reforma a Previdência será equilibrada.

Castello Branco e seus sucessores militares tiveram no comando da economia – não comando absoluto, mas comando central – figuras como Campos, Bulhões, Delfim, Reis Velloso. O resultado, pelo menos até 80, foi altamente positivo. Agora vocês estão inventando um czar absoluto da economia que não tem qualquer experiência em política ou gestão pública, e que se sente totalmente à vontade para comandar um programa de destruição daquilo que os antecessores, notadamente antecessores militares, realizaram nos setores de infra-estrutura econômica do país. Caveat! Se esse processo não for bloqueado, general, você e os seus sairão totalmente desmoralizados do poder, e a Nação estará esgarçada.

Estou fazendo essas citações de memória, general Mourão, para assinalar que, do ponto de vista econômico, regime militar pode até funcionar, mas não sob o comando de neoliberais obsessivos, cujo programa básico é privatizar a Previdência e vender empresas públicas. O supostamente ultra-neoliberal Chile, sob a matança de Pinochet, preservou a indústria do cobre, principal recurso econômico do país, em mãos estatais e das próprias Forças Armadas.

Acredito que, diante da situação absurda em que nos encontramos, a maior probabilidade é que você venha a assumir a Presidência. Contudo, não desperdice essa oportunidade aceitando o neoliberalismo radical e estúpido de Guedes. Livre-se dele na primeira oportunidade e siga o caminho do II PND, ou seja, da ampliação dos gastos públicos a partir do potencial interno da economia em endividar-se sem inflação, na linha keynesiana. Do contrário, você e o seu círculo militar, protagonizando uma derrota também na economia, sairão mais desmoralizados, no futuro, do que saíram politicamente em 1985.

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