Renasce uma nova esquerda para o Brasil: desenvolvimentista, nacionalista e trabalhista

Renasce uma nova esquerda para o Brasil desenvolvimentista, nacionalista e trabalhista (2)
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Em novembro de 2014, participei do XI Seminário de Pesquisa do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará, que teve como temática principal “Culturas políticas, ditaduras e autoritarismos”. Nesse ano de 2014, o Golpe de 1964 fazia 50 anos e o seminário teve como principal interesse suscitar o debate sobre a produção do conhecimento histórico concernente ao tema. Nesse mesmo ano, durante a Copa do Mundo, no Brasil, havia lançado meu primeiro livro sobre “O Projeto de Nação do Governo João Goulart: o plano Trienal e as Reformas de Base”.

Estando quase a uma semana em Fortaleza, aproveitei e entrei em contato com a assessoria do ex-ministro do Plano Real e da Transposição do Rio São Franscisco, Ciro Gomes, com o objetivo de agendar um horário para presenteá-lo com meu livro e com a sútil pretensão de convencê-lo a se filiar ao PDT  para concorrer nas eleições de 2018. Nessa época, Ciro era Secretário de Saúde do Ceará do governo do seu irmão, Cid Gomes, e ambos eram filiados ao PROS.

Renasce uma nova esquerda para o Brasil desenvolvimentista, nacionalista e trabalhista

Em uma conversa que seria de 15 minutos, durou quase 2 horas em seu apartamento na formosa praia de Iracema em Fortaleza. Nessa oportunidade, conversamos sobre os problemas do Brasil, sobre os bastidores do Plano Real e sobre a identificação dele com o trabalhismo e com os projetos encabeçados por Getúlio, Jango e Brizola.

Em maio de 2015, fui convidado para um debate sobre conjuntura econômica e política, na Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini. Nesse encontro, em Brasília, mais uma vez, durante minha fala, defendi o convite à Ciro Gomes para ingressar no PDT e ser o candidato do partido nas eleições de 2018, sustentando que a centro esquerda (social-democrata e trabalhista) deveria ter outro candidato além de Lula. Na época, já afirmava que provavelmente Lula não seria candidato porque ficaria inelegível. Minha fala na íntegra:

Desde 2014, com a quase não reeleição de Dilma em um apertado segundo turno, no Brasil, desde as manifestações de junho de 2013, já se gestava um projeto liberal-reacionário que seria eleito não pelos seus méritos enquanto projeto, mas na negação do petismo.

Desde as manifestações de 2013, o antipetismo ascendia como a maior força política do Brasil. O atual presidente Bolsonaro acabou sendo o símbolo desse antipetismo e em uma eleição inundada por fake news e com poucas aparições em debates foi eleito democraticamente. Depois de sair de uma facada acaba entrando na história com o surgimento de uma Onda Bolsonarista ( referência ao filme “A Onda”, de Dennis Gansel) e sendo eleito sob o batismo do ultra-liberalismo econômico de Paulo Guedes (apoiado pelos interesses do mercado financeiro internacional e do Trumpismo norte-americano).

Nessa eleição, Lula comete seu segundo grande erro histórico. Assim como em 1989, em não ter apoiado Brizola no primeiro turno, para uma derrota previsível para Collor no segundo; em 2018 lançou no meio da campanha a candidatura de Fernando Haddad, excelente ex-ministro da educação e ex-candidato vergonhosamente derrotado por Dória, no primeiro turno, na eleição paulista. O candidato à vice dos sonhos de Ciro Gomes (conforme suas próprias palavras) e também o candidato dos sonhos do Bolsonarismo ascendente. Haddad provavelmente perderia para quase todos os candidatos naquela eleição de 2018.

Esses dois grandes erros históricos de Lula e do PT, 1989 e 2018, mergulharam a centro-esquerda brasileira em longas crises. A primeira, depois da eleição de Collor, durou quase duas décadas até Lula chegar ao poder em 2004.  Embora na área social os governos petistas tiveram enormes avanços, houve uma perda de identidade nacional e um desperdício em realizar as reformas estruturantes tão marcantes na época da aliança do nacionalismo econômico, do saudoso general Henrique Teixeira Lott, com o trabalhismo popular, do ex-presidente João Goulart.

A aliança de parte dos militares nacionalistas com o trabalhismo consistia em  acrescentar ao binômio do projeto desenvolvimentista de JK (desenvolvimento econômico como sinônimo de soberania nacional) políticas sociais e educacionais para agir ativamente na diminuição da desigualdade social, pois tanto os militares nacionalistas como os trabalhistas não acreditavam que o maior problema brasileiro não se resolveria apenas com o crescimento econômico do país. Seria necessária uma política que pensasse soluções para diminuir a concentração de renda e que favorecesse o desenvolvimento equilibrado das diferentes regiões da nação. Por isso, o destaque do projeto de desenvolvimento, elaborado pelos militares ligados a Lott e os trabalhistas do antigo PTB, seria no aperfeiçoamento do sistema educacional brasileiro. Era necessário a modernização do sistema educacional para atender as demandas de inclusão social e da industrialização. Nas palavras de Lott: “o meu governo será uma continuação de minha campanha eleitoral: uma mobilização das energias físicas e espirituais do povo brasileiro para uma obra histórica de educação popular”

A história dos partidos políticos, em especial no Brasil, mostra que um projeto nacional e popular precisa ter um partido de massa. Na década de 1950 e 1960, essa consciência de massas contava com a ajuda de órgãos como ISEB. Podemos destacar, um dos seus integrantes, que publicou um livro intitulado “Ideologia do Desenvolvimento Nacional”, chamado Álvaro Vieira Pinto. Talvez os principais teóricos petistas nunca tenham lido esse autor, pois a crise atual que vivemos teve um caminho fértil em virtude, principalmente, pela inexistência desses elementos, apontados desde aquela época por Álvaro Pinto, ou seja: qualquer projeto nacional de desenvolvimento deveria cumprir as seguintes premissas: i) sem ideologia do desenvolvimento, não há desenvolvimento nacional; ii) a ideologia do desenvolvimento tem, necessariamente, de ser fenômeno de massa; iii) o processo de desenvolvimento é função da consciência das massas; e iv) a ideologia do desenvolvimento tem de proceder da consciência das massas.

Salientava-se ainda que só estariam credenciados para promover o desenvolvimento nacional aqueles que fossem escolhidos pelas massas ou, em outras palavras, não poderia haver solução política para os problemas brasileiros fora do voto popular. O PTB antigo compreendeu esses ensinamentos e por isso foi destruído por meio de um longo regime militar, que embora tivesse muitos militares patriotas e bem intencionados, foram usados e influenciados pela política do macarthismo de eliminar a suposta ameaça comunista no continente, na verdade foram usados para soterrar um projeto nacional e popular: o trabalhista. O PT teve essa oportunidade de retomar esse projeto e o desperdiçou com o seu encantamento de um projeto de poder sustentado por uma espécie de popular-consumismo, que foi fruto de uma enorme distribuição de renda, mas sem ter atribuído uma consciência de classe, nacional e cidadã. Por outro lado, o bolsonarismo se apropriou das vestimentas e símbolos do nacionalismo, deixando de lado um projeto nacional de desenvolvimento. O nacionalismo econômico do general Lott e de parte das esquerdas da década de 1960 deu lugar ao patriotismo verde-amarelo difuso com as listras da bandeira norte-americana fortalecido com o projeto neoliberal de Paulo Guedes. De certo modo, o PT impediu que o antigo PTB ascendesse novamente, transmutado no PDT de Brizola e Ciro Gomes.

Os avanços na área social deram lugar ao retrocesso cultural. Duas forças políticas coexistem e dependem uma da outra para se fortalecerem: o antipetismo e o antibolsonarismo. A direita liberal, representada por Dória e Moro, já perceberam essa tendência e se deslocaram dessa extrema direita que representa o bolsonarismo.  Parte da direita conservadora também segue o mesmo caminho, representado pelo governador do Rio, Witzel, a outra parte, representada pelo vice presidente Mourão, ainda dá sustentação ao governo, principalmente pela ligação do atual presidente com os círculos militares, em especial o da reserva. O centro ideológico (sic), representado por Rodrigo Maia e agora a nova estrela do meio político, Henrique Mandetta, apenas faz o cálculo político do impeachment, enquanto o centro fisiológico, aproveita a oportunidade e suga todo o resto de $angue que ainda resta. O preço será caro, pois o mastro da bandeira que deu sustentação ao bolsonarismo, com a antipolítica e a anticorrupção como bandeira, cai por terra com as benesses e cargos “dados” ao chamado centrão em troca de apoio para evitar um processo de impeachment e das investigações em torno da família de Bolsonaro. Sem falar das outras forças políticas como os evangélicos e a simpatia das forças “policiais”. Ademais, ainda resta a ameaça de uma falsa centro-esquerda, construída em laboratório, capitaneada pelo eterno apresentador de televisão Luciano Huck e seu liberalismo com sensibilidade social.

A aglutinação da direita em Bolsonaro teve como principal objetivo eliminar o PT. A polarização entre os projetos do PT x PSDB foi superada pela antipolítica, onde a grenalização, o fla-flu, passou a ser o principal ingrediente político brasileiro. O antipetismo x antibolsonarismo mostrou que o Brasil precisa romper esse círculo vicioso do prefixo “anti” para dar lugar ao substantivo “a favor”. Bolsonaro não ganhou por ser de direita, ganhou por se mostrar ser a grande oposição ao PT, capaz de derrota-lo. Muitas vezes ouvi pessoas falarem que votaram no Bolsonaro, pois não queriam votar no PT. Esse era o inimigo e é assim que nosso atual presidente vê a política: seguidores versus inimigos. Notem que não usei a palavra aliados, pois esse termo não existe no pensamento bolsonarista, e simultaneamente não existe no pensamento do PT. Para esses dois polos o termo aliado é sinônimo de subjugação.

Nesse sentido que surge a estratégia Ciro Gomes. Após a soltura provisória de Lula (pois não haverá sossego enquanto não o prenderem novamente, pela simbologia que isso representa), o PT ficou sem o discurso, Lula livre, que dominou o partido desde então. Ciro Gomes, que até 2017 sonhava com o apoio do PT tendo Haddad como vice, passa a se distanciar do lulismo, principalmente desde as eleições de 2018, quando perdeu o apoio do PSB em fruto das pressões do PT e de Lula.

Embora, penso que Ciro por vezes exagera na retórica do lulopetismo, trilha a estratégia perigosa de ser a alternativa de centro e esquerda para a possível eleição de 2022 se distanciando do PT e com fortes ataques ao bolsonarismo. O cálculo é o seguinte, buscar o crescente eleitorado descontente com seu candidato eleito em 2018, o atual presidente Bolsonaro, e os antigos eleitores, e hoje descontentes, de Lula. Ciro percebeu que dificilmente seria o herdeiro político do lulismo (algo que, após os acontecimentos dos bastidores das eleições de 2018 relacionados a perda do apoio do PSB, não quer mais nem de graça).

A estratégia seria arriscada e talvez ineficaz se não houvesse a existência de um elemento central: a existência de um projeto nacional de desenvolvimento. Entretanto, esse projeto ainda é pouco aderente pois esbarra em algo que já nos alertava Álvaro Vieira Pinto e Alberto Pasqualini, ou seja, a consciência das massas em prol de uma ideologia do desenvolvimento.

Para isso é necessário fazer política de forma didática (como recomendaria Pasqualini) para construir essa cultura no imaginário popular. Outra medida simbólica seria se aproximar dos muitos militares democratas e constitucionalistas (que se aproximariam do PDT, mas não se aproximariam do PT, pois eles têm uma visão conservadora da sociedade, prezando muito pelos valores da família e da ordem pública e constitucional). Quem sabe até com um vice sendo do meio militar nacionalista na reserva, retomando a aliança, ao inverso, representada por Lott (PSD) e Jango (PTB).  Elementos que o PDT possuí, mas estão adormecidos e precisam ser resgatados para aproximação com os militares: o positivismo de Getúlio Vargas. Pois se a centro esquerda for liderada pelo PT está fadada a uma nova derrota como foi em 1989 e 2018 e, assim será, em um 2022 com a reeleição do atual presidente Bolsonaro.

Renasce uma nova esquerda para o Brasil desenvolvimentista, nacionalista e trabalhista (2)

  1. Prof. Cássio Moreira, considero que houve outro erro histórico de Lula, antes de 2018.
    Em 2014, Marina Silva liderou a corrida pelo 2° lugar contra Aécio Neves durante boa parte do 1° turno. O movimento reacionário vinha sendo gestado, mas poderia sofrer uma derrota significativa se suas representações partidárias não chegassem ao 2° turno.
    O PT fez um cálculo eleitoral: Aécio ampliava menos ao centro do que Marina, logo, seria um adversário mais fácil de derrotar no 2° turno. Pensando no imediato, o PT trabalhou pra desconstruir Marina e facilitar a ida de Aécio ao 2° turno.
    O resultado imediato foi bom para o PT (Aécio perdeu). Mas o resultado de médio prazo foi péssimo para o Brasil: Aécio não reconheceu a derrota, questionou a lisura das eleições e, assim, abriu a porteira da polarização que escalou gradualmente até chegarmos ao impeachment.
    O que acha disso?

  2. Excelente artigo no qual concordo em todos os tópicos abordados.
    No entanto faltou um de suma importância a ser discutido, o qual é do funcionalismo público.
    Noventa por cento deles compõem a base do PT , CUT, FUP e etc.
    Em via de regra são muito bem remunerados e com direitos garantidos. O seu percentual alcança mais de 10% da população.
    Se incluir aposentados e familiares vai a 20%.
    Evidentemente é problema muito sério a ser resolvido, pois a população trabalha para paga-los, tal como ocorre no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

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