Ousar lutar, ousar vencer

FRENTE PELA FRENTE, tática defensiva, derrotista, que levou, na década de 80, o então temido Partidão à mediocridade ideológica de um PPS, parece retornar com força em setores da esquerda que debatem agora o melhor comportamento partidário diante da eleição para a presidência do covil parlamentar de Brasília. Fato que não se encerra em si, mas apontando previsíveis desdobramentos, com vistas a 2022.
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Que ninguém no campo da esquerda ouse, em tempos atuais, pronunciar tal palavra-de-ordem dos revolucionários cubanos. Sequer devem levar em conta o “Audácia, mais audácia” do girondino Danton, moderado de quatro costados na Revolução Francesa. Surgirão, de pronto, os racionais da governabilidade para propor uma das duas alternativas: ou interna por patologia mental, ou isola por sectarismo inepto.

NO ENTANTO, quando do lado da direita reacionária, comete-se um verdadeiro atentado ao bem público, com um prefeito propondo, simultaneamente, no dia seguinte à vitória numa campanha em que propunha todo um sentido inverso de administração, um aumento de quase 50% no próprio salário, e extensão para 65 anos na atual idade de 60 com direito à gratuidade no transporte público, a ninguém ocorre sequer a legítima reação em nome do povo agredido, com um proposta, por exemplo, de processo de impeachment por improbidade administrativa com flagrante agressão à austeridade fiscal, que a própria direita defende com veemência incontida. Ou mesmo crime contra a humanidade tal o grau de desespero existencial a que será jogada boa parte dos idosos ainda ativos, que andam em ônibus e trens, no mais das vezes à procura de emprego sob qualquer salário aviltante.

A DIREITA, a serviço do grande capital, não tem peias para a imposição de seus projetos. Faz tudo o que lhe mantenha ou amplia privilégios, e isso deveria ser exemplo para réplica no mesmo tom, por parte das lideranças de uma dita esquerda combativa.

MAS QUAL O QUÊ… Os “pessimistas da razão” que destinam aos “otimistas da vontade” um olhar de desprezo pelas suas “incapacidades de compreenderem os limites de uma realidade objetiva adversa”, tratarão de vir ao leito sem o menor cuidado em sacar os enlameados borzeguins. E sem o menor cuidado com o estudo de exemplos passados para não reproduzi-los como farsas trágicas no presente, nos vêm gritando para aceitar pacto de anormais que chamam de aliança.

FRENTE PELA FRENTE, tática defensiva, derrotista, que levou, na década de 80, o então temido Partidão à mediocridade ideológica de um PPS, parece retornar com força em setores da esquerda que debatem agora o melhor comportamento partidário diante da eleição para a presidência do covil parlamentar de Brasília. Fato que não se encerra em si, mas apontando previsíveis desdobramentos, com vistas a 2022.

QUEM VIVEU aquela experiência durante algum tempo, como eu, escuta os mesmos argumentos. Me lembro de Werneck Vianna, intelectual da melhor cepa, proclamando que, sem aliança com o centro, a esquerda não tinha alternativa. Deu no que deu. Em favor da direita, numa transição pelo alto em que protagonistas da ditadura empresarial-militar que nos assolara por duas décadas mantinham e até ampliavam suas posições de mando no sistema.

A CONFUSÃO TÁTICA encontrava, ao menos naquela conjuntura, alguma razão de ser. A questão democrática era eixo de discussões sobre estratégicos, não só no plano doméstico, onde se disputava o cenário a construir com o já irrecorrível retorno dos generais à caserna de onde não deveriam ter saído.

NO PLANO INTERNACIONAL, a temperatura não era mais amena. Partidos Comunistas, com protagonismo na Europa Ocidental, pressionados pela onda gorbachoviana, mergulhavam numa ostensiva acomodação ideológica. A partir de um outrora combativo PCI tentando se desvencilhar do dito socialismo real do Leste Europeu, e em admitindo a entrada da Itália na OTAN, tudo se permitia, numa leitura manipulada da teoria gramsciana sobre disputa da hegemonia na sociedade civil. Uma leitura que levava à subalternidade diante do social-liberalismo em que a social-democracia mediterrânea mergulhava a Europa, abrindo mão da defesa do welfare state e se transformando em verdadeiros pontas-de-lança da trágica contra-revolução neoliberal que a descompensada Thatcher implantara no Reino Unido, e que veio ter forte influência em nossas paragens.

A PARTIR DA forma destrambelhada e performática do governo Collor, fortalecida pela experiência ideologicamente ordenada no mandarinato FHC, e sendo mantida e até ampliada com a chegada de Lula ao Planalto e a nomeação da sinistra parceria Palocci/Meirelles, o grande capital passou a nadar de braçada, e o mundo do trabalho, reformista, que emergira do período final da ditadura empresarial-militar que nos assolara por duas décadas, entrava em processo crescente de desmobilização e despolitização.

Como reverter esse quadro?

NÃO SERÁ CERTAMENTE com as tentativas de reproduzir a mesma linha de pensamento, sem levar em conta que os textos de Gramsci laboravam sobre um tipo de sociedade civil hoje substantivamente superado. O enfraquecimento acelerado do sindicalismo, na esteira de uma nova organização, ou desorganização, das relações sociais, e as mudanças estruturais nas relações sociais, propiciadas pelo avanço tecnológico sob hegemonia absoluta do grande capital privado, na sucessão da era fordista, só vieram a propiciar mais poder aos grandes manipuladores da especulação financeira.

SE A CÚPULA do neoPT tenta hoje impor a linha de pensamento que renegou quando se pretendeu partido classista com objetivo estratégico anticapitalista, é uma tragédia que não pode ser encampada pelos segmentos da esquerda combativa, revolucionária. E não só fora de seu espaço territorial, mas principalmente no próprio domicílio.

ENRICO BERLINGUER, uma das maiores expressões do pensamento marxista, pioneiro na proposta do Compromisso Histórico, na Itália, a partir da derrota da Unidade Popular de Allende, já se empenhava, em fins da década de 70, na recondução do saudoso Partido Comunista Italiano para a linha da representação classista, quando foi lamentavelmente fulminado por um infarto em ato público do Partido.

É GUIDO LIGUORI que nos relata em seu “Quem assassinou o PCI?”, livro fundamental para entender o assassinato deliberado do PCI por uma corja de burocratas vendidos ideologicamente ao social liberalismo.

BERLINGUER se dava conta, depois de intensas tentativas, da impossibilidade de tal Compromisso, principalmente após o assassinato de Aldo Moro, um cristão progressista. Com o domínio absoluto da Democracia Cristã passando a um Giulio Andreotti controlado pela Máfia, e de um não menos delinquente Betino Craxi, dirigindo o Partido Socialista, traições seguidas de acordos comprovavam não haver possibilidade de convivência política com aquela escumalha servidora do grande capital e associada ao crime organizado da Itália.

NÃO CABE AQUI o detalhamento do processo que levou o saudoso PCI a se transformar em algo semelhante ao que aqui reduziu-se em PPS, e seus vários sucedâneos anticomunistas, dissimulados num falacioso social-liberalismo. Voltemos ao Brasil, com outro exemplo expressivo, com seta invertida.

NÃO FOI O RADICALISMO que levou o Partido dos Trabalhadores à crise que hoje vive. Pelo contrário. Foi a manutenção de posição classista mesmo nos momentos mais difíceis – como no comportamento diante do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo -; foi ter se mantido fiel aos princípios pelos quais fora gerado – classista, com o socialismo no programa partidário a despeito dos setores moderados – que o PT se afirmou e conquistou a credibilidade para chegar à Presidência da República. Denunciando as chagas do capitalismo.

A DEGRADAÇÃO E O TRANSFORMISMO que nos levaram a esse neoPT é exatamente a resultante da acomodação imposta pela liderança icônica de Lula, ao chegar ao Planalto, com o Pacto Conservador de Alta Intensidade, compensado e avalizado por um Reformismo Fraco, para utilizar a definição do porta-voz do primeiro mandato e até hoje aliado de Lula, o cientista político André Singer. Pacto no qual a tríade das classes dominantes – banqueiros, empreteiros e latifundiários do agronegócio – se locupletaram até concluir que era chegado o momento de transformar o lulupragmatismo em suco.

NÃO HÁ QUE VACILAR, portanto. Se a esquerda com objetivo estratégico anticapitalista, PSOL em particular, quiser buscar inspiração no passado, busque-a pelo que resultou em esperança das lutas políticas do PT de raiz.

SEM LENIÊNCIA no trato com as diversas correntes do neoliberalismo privatista, anti-social e pró-grande capital que atravessa todos os campos da reação conservadora. Dos tosco-fascistas do governo miliciano, aos empoados dissimulados dessa direita dissimulada em centro que transforma egressos do manipulado mercado”, MiniMaia, Armínio, Huck, Doria et caterva, em aliados táticos. Enfrentando-os com partidos e movimentos sociais mobilizados, com a participação dos segmentos pequeno burgueses progressistas, em ação conjunta, numa disputa de consciência com as massas oprimidas, essa é a tarefa que se impõe, por cima dos acordos espúrios.

LUTA QUE SEGUE, porque não há mal que sempre dure.