Separar o joio do trigo: os outsiders no cenário político nacional

Botão Siga o Disparada no Google News

O termo “outsider”, por definição do Dicionário Larousse inglês-português, significa estranho(a), desconhecido(a), “from outside the social group”.  A expressão tem sido muito utilizada pela impressa para se referir a personalidades que, indignadas com os casos de corrupção, expostos principalmente pela Operação Lava-Jato, lançam mão do discurso da antipolítica para se projetarem como alternativa aos cargos dos poderes executivo e legislativo.

Em sentido mais amplo do que o previsto pela definição conceitual linguística, aqueles que se apresentam como outsiders são assim reconhecidos muito mais pelo discurso da negação da “política tradicional” do que pela falta de relação com o nosso sistema político-partidário. Isso porque, a Constituição Federal e o Código Eleitoral brasileiros exigem a filiação partidária caso alguém possua interesse em se candidatar a cargos do Executivo e do Legislativo. Valendo-se do discurso “não sou político, sou gestor”, pudemos observar no pleito de 2016, para o âmbito municipal, a ascensão de nomes como João Dória Jr. (PSDB/SP) à prefeituOutsiderra de São Paulo, Alexandre Kalil (PHS/MG) à prefeitura de Belo Horizonte e Marcelo Crivella (PRB/RJ) no Rio de Janeiro.

Quanto às próximas eleições, que estão previstas no calendário eleitoral para 2018, muito tem sido especulado sobre a candidatura de outsiders. O assunto foi colocado em evidência especialmente por causa da “lista de Fachin”, que contém 108 nomes, incluindo 03 ex-presidentes da República, 08 Ministros de Estado do Governo Temer, 63 membros do Congresso Nacional e alguns Governadores de Estado, que estariam supostamente envolvidos em escândalos de corrupção investigados na operação Lava-Jato. Outro fato mais recente foram os áudios das delações dos donos da JBS (Joesley e Wesley Batista) citando Aécio Neves, o candidato preferido do discurso antipetista nas últimas eleições presidenciais.

Vale ressaltar que, desde a sua instauração em 2014, a Lava-Jato ganhou amplo destaque nos veículos de comunicação e, consequentemente, apoio da população e já é posta como a maior operação anti-corrupção do país. Destaca-se aqui, que apesar dos méritos a ela atribuídos, a narrativa construída diariamente nos últimos 03 anos acerca da operação e dos políticos supostamente envolvidos, acabou potencializando na população a ideia de que “a política é ruim e o Brasil não vai pra frente porque todos os políticos são corruptos”.

Ainda sobre o papel da imprensa, destaca-se que a “grande mídia” já era acusada de parcialidade ao construir discursos que deslegitimavam o governo petista (e suas figuras em destaque como Dilma Rousseff e Lula), tanto do ponto de vista moral e ético, quanto do ponto de vista político-econômico. A atuação chegou a tal ponto, que até jornais estrangeiros, como o britânico “The Independent” noticiaram a sua falta de imparcialidade. No entanto, do outro lado, observava-se a preservação, na medida do possível, dos governos e personalidades tucanas e peemedebistas, por exemplo.

Dentro desse contexto, se antes as denúncias (judiciárias e midiáticas) contra possíveis ilegalidades cometidas pelos políticos eram mais intensas contra um determinado grupo em detrimento de outros, recentemente pudemos observar o aumento no número de partidos e do nome de alguns de seus respectivos políticos como foco das investigações. Comentaristas políticos já chegaram a especular que as novas fases da Lava-Jato, essas mais amplas, têm sido desenhadas tendo em vista o insucesso na tentativa de queimar o nome de Lula como possível candidato às eleições presidenciais de 2018. Em pesquisas realizadas recentemente, o petista aparecia como favorito contabilizando 30,9% em intenções de voto, contra 11,8% de Marina Silva e 11,3% do deputado Jair Bolsonaro. Além disso, soma-se o fato de que o governo desmoralizado de Temer e sua base aliada tem se mostrado incapaz de apaziguar as crises políticas e econômicas do país.

Assim, instaurado o clima de aversão à política na sociedade, muitas personalidades já conhecidas pela população passaram a utilizar um discurso meramente moralista de combate à corrupção e afirmando-se como “não políticos”, projetam suas candidaturas a cargos dos poderes executivo e legislativo. É um discurso apenas moral, porque ao contrário do que se propaga, a corrupção não deve ser tratada apenas no campo do indivíduo. Muito longe de ser “invenção do PT”, traços de corrupção já se revelavam no Brasil desde a época do Império. Isso torna muito evidente de que se trata de um problema de ordem estrutural, que possui íntima relação com um modo de produção calcado na exploração.

Isso não significa, porém, que culpar o sistema tornando aparentemente intangível a solução do problema pela raiz, nos induza a um comportamento passivo de aceitação do status quo e da “roubalheira” apresentada no país. A indignação quanto à corrupção é válida em todos os sentidos e devem ser criados mecanismos sensatos para que tal prática seja combatida. Ocorre que, não devemos nos deixar guiar por discursos vazios e frases de efeito formuladas por pessoas que, desdenhando da “política tradicional”, há tempos se valem dela para benefício próprio ou de interesses setoriais.

Dos outsiders já mencionados no texto, podemos observar esse comportamento. Alexandre Kalil, por exemplo, antes de conquistar a prefeitura da capital mineira, já havia sido filiado ao PSB (Partido Socialista Brasileiro), por onde quase lançou candidatura ao legislativo federal em 2014. Ademais, usando sua influência enquanto dirigente do Clube Atlético Mineiro manteve relação com diversos nomes da política de Minas Gerais.  João Dória Jr., por sua vez, além de ter sido filho de deputado federal, já exerceu cargos de natureza eminentemente políticas, como o de Secretário Municipal de Turismo e Presidente da Paulistur, na gestão de Mário Covas na prefeitura de São Paulo entre 1983 e 1986. Também foi Presidente da EMBRATUR e do Conselho Nacional de Turismo do governo Sarney, enquanto esse ocupava a presidência da República.

Nomes como Luciano Huck, Silvio Santos, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, dentre outros, já expressaram interesse ou tiveram seus nomes apresentados por entusiastas tanto para concorrer às eleições de 2018 como também para ocupar a presidência da República caso Michel Temer caia e haja eleições indiretas. Nenhum deles, porém, propõe um programa de governo que almeje diminuir os impactos da influência exacerbada do capital financeiro internacional na economia nacional, bem como garantir as condições necessárias para que a população conte com serviços públicos de qualidade, por exemplo. Conforme mencionado anteriormente, seus discursos atingem basicamente questões morais do indivíduo e a vontade que todos temos de “dar um jeito no país”. Isso, porém, não é o que nos resgatará das diversas crises em que nos encontramos.

Diante da duradoura condição de subdesenvolvimento ao qual o Brasil vem sendo submetido bem como das absurdas crises institucionais enfrentadas, tudo o que o país menos precisa agora é de um aventureiro, de um businessman ou de um showman de discursos meramente moralistas e que no plano de fundo atuem em favor de interesses setoriais ou de interesses econômicos externos. Não precisamos de gestores que até as eleições realizam conchavos com os tais “políticos tradicionais” em benefício dos próprios negócios, porém apresentam-se a cargos eletivos como “não políticos”.

O Brasil precisa de pessoas comprometidas com a administração pública, que apresentem um projeto econômico capaz de restaurar as bases para o crescimento da indústria nacional e da geração de empregos. Precisa de pessoas com sensibilidade para compreender as nossas desigualdades sociais, regionais e econômicas e que trabalhem para reduzi-las. Se não apostarmos em nomes que defendam os interesses nacionais, a maior parte de nossos representantes continuará sendo formada pelos maus-políticos, esses que atrasam o desenvolvimento do Brasil em troca de benefícios pessoais e sectários. A política é necessária e não deve ser encarada de forma pejorativa, pois é através dela que as maiores transformações sociais e econômicas acontecem.