“Eles X nós” ou o pacto silencioso entre PT&Bolsonaro

Haddad e Bolsonaro
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Em vídeo recente, o filósofo Vladimir Safatle afirma que a política, para além dos argumentos, se desenvolve sobre um campo de afetos e diferenças. Há na política a emergência de uma desidentificação, um “eles X nós”. A questão que se coloca, então, é quem são “eles” e quem somos “nós”.

A análise mais apressada diria que hoje na política brasileira um dos polos está na via autoritária representada por Bolsonaro, mais nítida a partir do slogan “#elenão”. Isso, no entanto, não é toda a possível identificação que cabe no “ele”. É fato que Bolsonaro é um dos representantes do “ele”, mas não é o único.

Se o golpe foi dado contra os trabalhadores, contra os negros, contra os pobres, contra as mulheres, como pode o PT capitular com o golpe? Como pode Fernando Haddad, em campanha, dar o braço a Renan Calheiros (presidente do Senado durante o impeachment)[1] e sinalizar aos bancos que quer alguém de “perfil moderado” no Ministério da Fazenda?

Mas, antes. O que explica a atitude supostamente passiva de Lula, entregando-se à prisão e aguardando um julgamento, como se esse fosse o ato de desobediência? Seria a “vitimização” apenas uma estratégia de Lula ou uma característica do seu modo de fazer política, quando por exemplo dizia que o “pobre” também quer “jantar no Fasano” (mas não pode…)?

Ou ainda antes, o que explica a atitude da cúpula petista, representada por Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, insistindo numa defesa pela “via jurídica” quando um golpe estava em curso?

O documentário “O processo” mais que uma peça de retrato do escárnio sádico do golpe, é também o retrato fiel do gozo masoquista da “resistência”. A resistência passiva que gozou por gritar “canalhas” para uma plenária sedenta de mais canalhice. A resistência que gozou sob o olhar do “povo”, que assistiu ao obsceno, sem nunca ter sido chamado a agir.

O PT encontrou o seu “parceiro-sintoma”. Não quer deixar aparecer quem realmente é o “ele” do golpe. Pelo contrário, por uma via obtusa, alia-se a ele e dissimula sua traição. Quer se arriscar no mais perigoso segundo turno, ou em um impossível governo, ou, ainda pior, oferecer o rosto a uma saída autoritária (aquela que Safatle comenta no seu vídeo). O PT, nessa campanha, ao se colocar como o único capaz de deter Bolsonaro, não faz de Bolsonaro o seu alvo (EleXNós); ao insistir nessa estratégia, o alvo é Ciro Gomes (Ele/CiroXNós/PT&Bolsonaro). Essa é a chave.

Eles (PT&Bolsonaro) não estão buscando a desidentificação, mas uma complementação, pois o PT só consegue se colocar como “esquerda” quando se alia ao seu parceiro golpista. Alia-se para artificialmente antagonizar, mas, acima disso, alia-se para prazerosamente expor o corpo ao sofrimento. E o corpo, como se sabe, é sempre o “nós”.

Não podemos deixar que não digam quem é o inimigo a ser combatido. O inimigo é aquele que quer impedir um projeto de Nação, ou, mais precisamente, um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Ou seja, o inimigo, o “Ele” é tanto aquele que propõe a submissão (Bolsonaro) quanto aquele que retarda qualquer projeto (Haddad). É tanto aquele que bate quanto aquele que convida a bater. Nós somos a Nação, eles são a anti-Nação.

 

 

Referências

Referências
1 Neste vídeo Haddad chama Renan Calheiros de “amigo da democracia”: https://www.youtube.com/watch?v=_j4BJHAYMII; o mesmo Renan Calheiros que votou a favor do impeachment de Dilma: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/08/31/presidente-do-senado-renan-vota-a-favor-do-impeachment-de-dilma.htm.