Plebiscito chileno no próximo domingo: o que está em jogo?

Por Vitor Hugo Tonin – No próximo domingo, dia 25, o povo chileno irá às urnas responder a duas perguntas: se quer ou não ter uma nova constituição e que tipo de órgão deve redigi-la. Essa consulta popular foi uma das principais vitórias do povo chileno que se rebelou em 18 de outubro de 2019 e ocupou durante semanas as ruas de todo o país. No auge das manifestações, o presidente direitista Sebastián Piñera disse que o país estava em guerra, apenas poucos meses depois de ter afirmado que o Chile era um oásis de paz e prosperidade na América Latina

Colagem sobre plebiscito no Chile
Constituinte no Chile

Nessa guerra contra seu próprio povo lançou mão de todo o aparato repressivo do Estado para combater as manifestações e tentar estancar as mobilizações: mais de 30 pessoas foram mortas, 460 pessoas foram vítimas de trauma ocular e outras foram mutiladas, já que a polícia mirava as balas de borracha na altura dos olhos dos manifestantes. Mais de 2 mil pessoas foram presas e 5 mil foram vítimas de violações e abusos por parte da polícia. Mesmo assim o povo não deixou as ruas. 

Sem nenhuma legitimidade, restando-lhe apenas o apoio da alta elite chilena e das forças repressivas, Piñera ameaçou elevar ainda mais o nível da repressão se os partidos não chegassem a um acordo de pacificação do país. Este “Acordo pela paz”, feito no Congresso, propôs ao povo chileno decidir sobre a realização de uma convenção constituinte para finalmente substituir a Constituição escrita em 1980 e atualizada em 1988, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Afinal, as manifestações não eram somente pelos 30 pesos de aumento no transporte público, mas por 30 anos de abuso, como afirma a principal palavra de ordem da rebelião popular.

Assim originou-se o plebiscito. Ele deveria ter se realizado em 26 de abril, mas foi adiado para o domingo próximo. Abaixo elencamos as principais possibilidades de resultado e seus desdobramentos para o futuro.

  1. Tende a ser a maior participação eleitoral da história do Chile, apesar da pandemia;
  2. Além das classes populares, a maior parte das classes dominantes está apoiando a realização da convenção constituinte; portanto, a vitória eleitoral do “sim” deve ser grande;
  3. As disputas começam mesmo na segunda pergunta do plebiscito, que se refere a “como” será a constituinte. As classes dominantes querem uma convenção mista, com metade do integrantes eleitos pelo povo e outra metade indicada pelo congresso atual, profundamente deslegitimado. Com isso, as classes dominantes querem restringir a participação popular. Os setores populares fazem campanha por uma “convenção constitucional” totalmente eleita, com paridade de gênero e cotas de representação para os povos originários. 
  4. Os resultados em relação a essa segunda pergunta expressarão a correlação de forças do processo constituinte. É provável que o povo vença essa segunda pergunta, mas com que margem?
  5. Esse resultado é importante indicador sobre o futuro do processo. Após o plebiscito o povo será chamado a eleger “deputados” constituintes no dia 11 de abril de 2021. Esta eleição será decisiva, pois uma das regras colocadas para a convenção constituinte é o quórum mínimo qualificado de dois terços para qualquer aprovação. Este alto quórum tem o objetivo de bloquear mudanças mais radicais exigidas pelo povo chileno 
  6. Além disso, alguns temas como os Tratados de Livre Comércio (TLC), o regime “democrático” e até o nome do país foram proibidos de serem debatidos pela assembleia constituinte (artigo 135 do “Acordo de paz”). O que é uma grave limitação ao poder originário constituinte. Os TLCs, por exemplo, são os principais responsáveis pela manutenção e aprofundamento do modelo econômico primário exportador em vigência no Chile desde Pinochet. Logo, se os TLCs não forem revistos, o modelo econômico tende a seguir sendo o mesmo. Não se parte, portanto, de um livro completamente em branco.
  7. Para fazer frente a esses desafios o povo chileno precisa de forças e organização para: i) garantir com ampla margem uma assembleia constituinte totalmente eleita para este fim no próximo domingo; ii) eleger mais de dois terços de representantes constituintes no próximo 11 de abril; e iii) pressionar para reverter no atual Congresso, na Convenção Constitucional ou na Corte Suprema, as ilegítimas limitações impostas ao poder constituinte pelo artigo 135.

Depois da derrota de Macri na Argentina e de Camacho na Bolívia, é hora de derrotar a direita também no Chile.

Por Vitor Hugo Tonin, Doutorando em Desenvolvimento Econômico e pesquisador sobre o problema da moradia no Chile. Agradeço os comentários de Nicolás Valenzuela Paterakis e Marcela Vera que, obviamente, não são responsáveis pelas opiniões aqui expostas.

 

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