Um esquema de poder que reúne as instituições contra os cidadãos

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Não sei até que ponto a sociedade brasileira terá percebido que dificilmente acabará bem a combinação num mesmo esquema de poder de figuras como Wilson Witzel, governador do Rio, Sérgio Moro, ministro da Justiça, e Marcelo Bretas, juiz federal, todos eles sob as asas de Jair Bolsonaro e famiglia, estes sócios na Presidência da República. Trata-se de excesso de extravagância política e de ameaça aos direitos civis dos brasileiros por parte de uma elite que nutre total indiferença aos direitos sociais cuja destruição encontra-se na pauta deste Governo, notadamente na chamada “reforma” da Previdência ou da Seguridade Social.

Essas figuras sombrias, na medida em que consideram as últimas eleições um mandato definitivo para o exercício do poder absoluto, acabarão levando o país a uma carnificina, mais grave do que o acontecido agora no Rio no destile do trio elétrico de Ludmila. Os policiais devem se tornar 007s, aqueles agentes com licença para matar. A lei de Moro inclui entre as situações que justificam “abater” o suposto bandido o medo dele, algo absolutamente subjetivo, portanto impossível de avaliar em termos concretos se houve ou não excesso do atirador. É um risco individual que facilmente se torna um risco coletivo.

A possibilidade muito real de um conluio no nível das três principais instituições da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – para desfigurar os direitos civis em nome do combate à insegurança nos coloca à beira de um precipício, um AI5 civil. Nem todo problema de segurança tem raízes sociais, mas o que tem raízes sociais jamais será resolvido permanentemente na base da violência e da matança policial. Concordo que, nas atuais circunstâncias, não há solução definitiva de curto prazo para o problema. Para isso há cadeias.

Mas alguma coisa, desde já, deve ser feita com vista ao médio e longo prazo.

Este governo imoral que vocifera tanto no sentido de falar em matar bandidos não tomou uma única iniciativa concreta, desde Temer, para combater o desemprego, principal causa da insegurança. Ao contrário, promove objetivamente a insegurança ao deixar 13 milhões de trabalhadores sem emprego e sem alternativas, e outro tanto no subemprego. Claro, a maioria deles, por razões morais, vai se virar na vida fora da marginalidade. Uns poucos, em termos percentuais, vendo-se sem outra opção, vão para a marginalidade e o crime. São suficientes para espalhar a insegurança no país, sobretudo em nossas metrópoles.

Se o Exército brasileiro não sabia disso, passou a saber quando da intervenção federal no Rio no ano passado. O interventor, general Walter Braga, pediu R$ 3,2 bilhões para complementar, no plano social, iniciativas estritamente de segurança. Teve ajuda, sim, para comprar carros e logística, porém longe dos recursos necessários para levar promoção social às periferias. A intervenção foi um retumbante fracasso. De forma alguma viabilizou o aumento de segurança no Rio. E poderia ter servido para ensinar a Witzel, Moro, Bretas e Bolsonaro que não há como fazer da matança de bandidos um meio de tornar o país mais seguro.

A proliferação de criminalidade numa cadeia que começa na infância, progride na adolescência e se completa na maioridade nunca será quebrada fora de programas sociais consistentes. E não adianta tentar resolver simplesmente aumentando o número de presídios.

O senador Roberto Requião, quando governador do Paraná, construiu 12 presídios no Estado. Em pouco tempo estavam superlotados. A razão é que o Judiciário, no seu afã de punir, manda para a cadeia presos de baixa periculosidade e que podem cumprir suas penas compensatórias fora das cadeias, fazendo da cadeia um laboratório de crimes. Pelo menos nesse caso e para crianças e adolescentes temos uma situação que se resolve não por punir mais, mas por punir menos.

O que caracteriza a real insegurança em que nos encontramos não é apenas a criminalidade aberta dos marginais, mas a criminalidade que desponta na elite política. Juntar todas as instituições do Estado de um mesmo lado contra o cidadão desarmado é um apelo à desobediência civil. É o momento de colocar em funcionamento, de novo, o Tribunal Tiradentes, que teve um papel relevante na luta contra a ditadura, para levar ao banco dos réus da opinião pública essa ditadura singular que está fechando todas as aberturas de uma panela de pressão que, sem outra saída, acabará por explodir.