As raízes que originaram a criação da CLT: uma tentativa de retomada do “fio da história”

As raízes que originou a criação da CLT Uma tentativa de retomada do fio da história
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O grande Leonel Brizola quando de volta ao país depois da anistia em 1979, entregou-se ao projeto de reconstruir o trabalhismo, “retomando o fio da História”, como gostava de dizer. É neste sentido que se trata este texto, retomar o fio da história contra o revisionismo implacável capitaneado pela oligarquia brasileira.

Pois bem, quando se fala em leis trabalhistas no Brasil, logo se põe a CLT como ato inaugural do progressismo no que tange a preocupação do bem estar social da classe trabalhadora brasileira.

Entretanto, as lutas políticas e criações de leis para regulamentar o trabalho no Brasil vêm, pelo menos, de 50 anos antes da consolidação das leis trabalhistas, que foi promulgada em 1943.

Não estar de posse do desenvolvimento histórico desta matéria, por muitas vezes, produz análises anacrônicas e sem sentido como a “CLT é uma cópia da carta del Lavoro” e de que “Vargas era fascista”.

Há outros fatos históricos que compõem uma realidade mais completa desmentindo tais análises incorretas, mas aqui nos limitaremos a abordar os embriões que levaram a materializar, meio século depois, a CLT, tirando-a da interpretação fascista propagandeada pelos liberais.

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Em meio as atividades no ministério do trabalho, nos anos 40, o jurista, especializado em direito do trabalho, Oliveira Viana chama a atenção:

“O mérito dos técnicos do Ministério[do trabalho], que presidiram as comissões elaboradoras dos ante-projetos, foi antes de sistematização de um direito já existente do que propriamente da criação de um direito novo “

Neste registro, Viana nos fala que já existiu no Brasil algo relacionado aos direitos do trabalho. E ele estava certo.

Em plena campanha abolicionista durante a década de 1880, os dirigentes positivistas Miguel Lemos e Teixeira Mendes já propunham medidas para proteger o trabalho dos ex-escravos, já que para eles não bastava abolir o regime escravocrata. Lemos e Mendes além de republicanos abolicionistas, também reivindicavam os direitos sociais e trabalhistas e o direito de greve.

No primeiro mês da república, em dezembro de 1889, Teixeira Mendes faz uma consulta pública à 400 operários a serviço da União e depois apresenta ao Governo provisório um projeto de organização do trabalho nas oficinas federais. São itens previstos neste projeto, tais como salário capaz de suprir as necessidades do trabalhador e sua família, jornada de 7 horas, descanso semanal, férias anuais de 15 dias, falta justificada em caso de doença do operário ou membro de sua família e um dia santificado por mês respeitando a religião do trabalhador. Além disso, propõe estabilidade após 7 anos de serviço, aposentadoria por invalidez e idade, pensão para os dependentes, e uma espécie de seguro desemprego. Os menores de 14 a 21 anos só poderiam trabalhar na condição de aprendizes cumprindo jornadas de 4 horas e 5 dias semanais, de forma a garantir tempo para a educação e o culto do espírito.

O Governo provisório também editou o decreto 1.313, que regulou o trabalho de menores nas fábricas da Capital Federal. Para muito estudiosos, como Evaristo de Moraes Filho, esta é a primeira lei brasileira de conteúdo tutelar e trabalhista.

Em especial, é importante salientar a enorme colcha de retalhos que formava as lutas políticas e suas frações durante a primeira década da República. A fração política mais progressista, extremamente minoritária, nesta luta se compunha de republicanos positivistas e castilhistas. Portanto, as primeiras medidas de cunho social e de proteção do trabalho tomadas nos meses seguintes à proclamação da República caíram com a promulgação, em fevereiro de 1891, da primeira constituição republicana do Brasil.

Não obtendo quórum satisfatório durante a constiuinte da carta magna, os positivistas e castilhistas não conseguem barrar o que continuaria a ser a viga mestra das relações sociais no Brasil – o princípio da não-intervenção do Estado nas relações de trabalho, agora consagrado na constituição de 1891.

Assim, interrompido nacionalmente o processo de avanços sociais no Brasil, o gaúcho Júlio de Castilhos, em nível estadual, retoma o processo e lidera a formação e promulgação da constituição estadual do Rio Grande do Sul.

A preocupação de Júlio de Castilhos com a classe trabalhadora alude ao período da campanha abolicionista. Através de suas colunas, de alto teor contestatório, no jornal “A Federação” o líder republicano condenava duramente o instituto da escravidão. Castilhos, da mesma forma que o Apostolado Positivista, era defensor da abolição imediata e radicalmente contra as propostas de indenização aos senhores pela perda dos escravos. Para ressaltar o quão minoritário era a fração republicana mais progressista, esta postura rigorosa não era dominante no seio do movimento republicano. O Partido Republicano Paulista, só para lembrar, propunha a emancipação gradual da mão-de-obra escrava e o ressarcimento dos prejuízos oriundos da abolição, a fim de não comprometer a economia cafeicultora.

As teses sociais, contidas no programa do Partido Republicano Riograndense, tinham cláusulas como a educação popular, o ensino profissionalizante, as férias, a jornada de 8 horas, o direito de greve, a aposentadoria por invalidez e a criação de um tribunal de arbitragem para resolver os conflitos trabalhistas.

Muitas destas ideias irão se materializar na promulgação da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul em 14 de julho de 1891, que foi aprovada pelos parlamentares gaúchos quase na íntegra.

A carta castilhista vai direcionar a administração e hegemonia do PRR no RS por mais de 30 anos, até desembocar na revolução de 30. Passará pelos governos de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Carlos Barbosa e Getúlio Vargas. Também colocará o Estado gaúcho com os melhores índices sociais entre todos os estados da federação.

O conteúdo da Carta Castilhista

A Carta Castilhista, profundamente influenciada pelas ideias de Comte, distancia-se drasticamente do padrão liberal norte-americano que moldou a constituição brasileira e que se espalhou pelos estados da Federação.

É uma constituição ímpar por inscrever norma propriamente trabalhista em seu texto. Diz o artigo 74: “Ficam suprimidas quaisquer distinções entre os funcionários públicos do quadro e os simples jornaleiros, estendendo-se a estes as vantagens de que gozarem aqueles”.

Jornaleiros eram os operários que trabalhavam para o Estado recebendo seus salários na forma denominada diárias.

De imediato, após a promulgação da constituição, os jornaleiros passaram a ter direito à aposentadoria por invalidez. Mais tarde, na administração Borges de Medeiros, foi se ampliando a gama de direitos. A exemplo da publicação do Decreto 2.432, em 14 de julho de 1919, que consolidou as disposições regulamentares dos funcionários públicos. Aos operários diaristas foram assegurados importantes direitos: licenças remuneradas para tratamento de saúde, férias de 30 dias e auxílio funeral.

Segundo a especialista em direito do trabalho, Ana Maria Machado da Costa, a constituição castilhista traz importante conteúdo sobre o conceito de igualdade: “Há, inegavelmente, no diploma constitucional castilhista, uma ampliação do campo de abrangência do conceito de igualdade, particularmente, quando o princípio da não-discriminação é introduzido no seio das relações de trabalho. Cabe lembrar que os jornaleiros eram basicamente operários que desenvolviam trabalhos braçais, ao contrário dos funcionários do quadro afeitos aos trabalhos burocráticos. Partindo de uma concepção com origem no antigo direito romano, que desvalorizava o trabalho manual, até então, os operários eram tratados como coisas. Como tal, eram incluídos na estrutura estatal no título elemento material, ao contrário dos funcionários classificados como componentes do pessoal.”

Como bom republicano, Júlio de Castilhos preserva o princípio da República, que é o fim dos privilégios. Chaga que marca as relações sociais no Brasil por séculos. Borges de Medeiros interpreta corretamente este dispositivo da constituição quando afirma: “Talvez em nosso Estado unicamente seja uma realidade completa este princípio orgânico da política Republicana”.

Não se resumindo somente a carta constitucional, Júlio de Castilhos decreta o Ato nº 31, de 22 de setembro de 1897, que disciplina o trabalho nos serviços de dragagem das lagoas dos Patos e Mirim.

Este Ato faz elaborar um quadro fixando os horários de trabalho. As jornadas definidas variam entre onze horas, na primavera, a nove horas nos meses de frio. É estabelecido, ainda, um período de intervalo para repouso e refeição que ia de uma a duas horas. Somente em situações de urgência os operários faziam horas extras, que poderia levar ao pagamento de 10 a 50% do salário.

Em especial, as obras de dragagem das lagoas dos Patos e Mirim é um ótimo exemplo das administrações castilhistas com foco nas questões trabalhistas, que vai sendo complementado com Atos e decretos os trabalhos da dragagem.

Há, por exemplo, a previsão de pagamento de salários aos jornaleiros, quando não pudessem trabalhar pelo mau tempo ou por não terem sido convocados para trabalhar nas obras de dragagem. É uma inovação ao se tratar de uma visão ampliada de salário.

Ainda orientado por este princípio de ampliação, o trabalho nas dragagens prevê, em caso de doença, o pagamento de 2/3 do salário ao operário. E no caso de despedida, o trabalhador deve receber imediatamente o seu salário.

Outra novidade é no que se refere à questão das obras por empreitada, regulamentada pelo Decreto 119, de 5 de janeiro de 1898. Esta norma obriga o empreiteiro a pagar regularmente os salários dos operários. Quando do atraso dos salários, o Estado tem o poder de mandar pagar diretamente os operários e na reincidência, tanto na falta quanto no atraso, incorrerá na rescisão do contrato com o empreiteiro.

Atualmente, a legislação brasileira não encontra solução para o problema da terceirização, enquanto que no fim do século XIX o problema já estava levantado e com solução em plena execução.

Mais tarde, já em 1919, o governo de Borges de Medeiros amplia a ação das medidas adotadas anteriormente para obras por empreitada para além dos limites da Secretaria de obras públicas, circunscrevendo para toda a administração estadual através do Decreto 2.432.

O pioneirismo

A constituição do México de 1917 é considerada a primeira constituição da História a incluir os chamados direitos sociais, dois anos antes da Constituição de Weimar de 1919.

A carta Mexicana continha uma enorme sensibilidade social pouco comum à época, como a jornada de oito horas, direito de greve e associação de sindicatos, salário mínimo, limitação do trabalho infantil, etc.

Entretanto, 26 anos antes, conforme exposto acima, a constituição do Rio Grande do Sul de 1891 foi pioneira na regulamentação do trabalho no Brasil e foi o início que mais tarde desembocou na CLT.

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Durante a vigência da República Velha, onde a constituição nacional de bases liberais rege as relações capital-trabalho, o Estado do Rio Grande marca presença destoando deste processo ao assumir a construção dos direitos trabalhistas.

Em âmbito nacional, somente após a revolução de 30 o projeto trabalhista é retomado. E a partir daí as contribuições saltam dos positivistas para os comunistas, socialistas e anarquistas.

Há apenas um mês depois da revolução de 30, em 26 de novembro, é criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Vargas indica o castilhista Lindolfo Collor para assumir a pasta. Nas palavras do grande nacionalista Barbosa Lima Sobrinho Collor era um homem “de idéias muito avançadas” e que “foi um dos que mais lutaram junto a Getúlio Vargas para conseguir a criação do Ministério do Trabalho.”

Comporia o primeiro grupo de trabalho deste Ministério nomes como Joaquim Pimenta, Agripino Nazareth, Evaristo de Moraes e Deodato Maia.

O pernambucano Joaquim Pimenta foi um dos pioneiros do movimento socialista no Brasil e da legislação dos direitos dos trabalhadores. Ligou-se aos primeiros movimentos grevistas importantes no Brasil, inclusive o que paralisou quase todo o nordeste em 1922. Um dos ideólogos da ANL – Aliança Nacional Libertadora na região. Também foi um grande defensor das leis trabalhistas no primeiro período do governo de Vargas.

O Baiano Agripino Nazareth participou das agitações operárias do Rio de Janeiro na década de 1910. Juntou-se ao professor José Oiticica e ao jornalista Astrogildo Pereira no que ficou conhecido como “Insurreição anarquista de 1918”, que idealizava instaurar uma república de operários no Brasil. Iniciou sua militância no anarquismo e depois optou pelo socialismo.

Por fim, Evaristo de Moraes foi um rábula e advogado criminalista. Foi advogado defensor dos marinheiros na revolta da chibata e do líder operário anarquista Edgard Leuenroth, que liderou as famosas greves de 1917.

Por fim e por último, para complementar, fica a indagação, em face destes integrantes que compunham o grupo do Ministério do Trabalho, serias correto dizer que Pimenta, Nazareth e Moraes eram fascistas? E que copiaram a Carta Del Lavoro?

Magda Biavaschi responde que “nem uma coisa nem outra”. E prossegue: “Acontece que a unidade sindical compulsória era um princípio sindical, nem fascista, nem comunista, isto é, um princípio sindical da época, que passou a ser incorporado pelos legisladores brasileiros dadas as especificidades de um Brasil predominantemente agrícola, sem tradição sindical.”

Por Léo Camargo