Ser verdadeiramente revolucionário significa apoiar um Projeto Nacional de Desenvolvimento

Ciro Gomes Projeto nacional de desenvolvimento
Foto: Nacho Doce/Reuters
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Ciro Gomes e seus apoiadores, pedetistas, desenvolvimentistas etc. comumente se reivindicam “de centro-esquerda”. Acredito que este seja o lugar discursivo acertado para se estar hoje em dia. É que o significante “de esquerda” se corrompeu, se vulgarizou como algo ruim, justificadamente ou não. Isto é relevante, pois retórica não é mera superfície, mas é a anatomia do mundo ideológico.

Apesar disso, não é uma contradição afirmar que ser verdadeiramente revolucionário, hoje, significa defender o bloco social liderado por Ciro Gomes e o PDT.

Num sentido marxista mais profundo, está claro que este bloco é o único à esquerda que mantém como sua questão principal (übergreifende Moment) o momento da produção nacional. Ainda que não apresente superação de curto prazo para a contradição entre capital e trabalho (como, aliás, nenhuma força social no mundo desde o fim da União Soviética), através de seu Projeto Nacional de Desenvolvimento, busca construir uma solução de compromisso capaz de vencer alguns desafios históricos absolutamente inadiáveis: desenvolvimento de nossas capacidades produtivas, industrialização, tributação progressiva, mudar o perfil da dívida, crédito às inovações da ‘economia do conhecimento’ (implica em, como Vargas, refundar todo o setor produtivo nacional, para além da aliança reacionária entre agronegócio e financismo).

Mas mesmo num sentido marxista mais imediato, deve-se notar a 11ª tese de Marx sobre Feuerbach, na qual afirma que os filósofos até então se limitaram a interpretar o mundo, a questão no entanto é mudá-lo. Trocando em miúdos, é que não basta estar ‘certo’, ou manter-se ‘coerente’ com princípios abstratamente esquerdistas. Ser revolucionário é estar correto e ganhar. Ganhar, mudar o mundo, é imperativo.

Mas essa mudança não é qualquer mudança. Muito menos uma mudança curto-prazista, como a ilusão consumista do PT financiada por uma moeda sobrevalorizada, debitária de um ciclo exportador de commodities.

Vejamos a coisa um pouco mais de perto. Por que é que seitas políticas (partidos ainda menores e ‘mais puros’ que o PT e que têm praticamente nenhuma relevância: nem nas urnas e nem nas ruas) devem ser considerados revolucionários se, independentemente da interpretação que fazem de si mesmos e de suas vontades, acabam exercendo o papel contrário na luta de classes? Reparem, eles encarnam um desvio “estranho”, anacrônico, pouco convidativo e, afinal, absolutamente inofensivo, inócuo. É a esse desvio que o inimigo aponta quando alguém começa a ensaiar uma crítica à economia política ou ideologia capitalistas: “Você é contra? Muito bem, aí estão seus companheiros!”

Em termos marxistas, eles são a aparente negação que toda totalidade finge expelir de si mesma para se reproduzir. Mas a aparente negação não é distinta da totalidade que a gerou. E é por isso que com tanta frequência se nota um tom profundamente liberal-individualista em importantes lutas de minorias políticas, mistificadas pelo identitarismo.

Ser revolucionário não é um exercício de afirmação de uma subcultura, nem sequer uma identidade. Ser revolucionário é mudar o mundo. É, portanto, uma atitude política. Assim sendo, não demanda uma coerência moral abstrata, mas uma moral radicalmente política (Gramsci interpretava Maquiavel como um grande revolucionário, capaz de democratizar o funcionamento real da política com o objetivo de que a república superasse a monarquia).

Mas isso não é uma apologia à relativização de qualquer coisa. O petismo, por exemplo, relativiza absolutamente tudo, mas o desesperador é que eles não sabem exatamente para quê. “Meios sem fins”. Não existe um conteúdo positivo petista, afinal. Nunca houve uma ideia propriamente petista. Todo o conteúdo vagamente próximo a uma ideia petista sempre se reduziu à crença na encarnação da luta de classes brasileira num só homem que não à toa se reivindica o “filho do Brasil”.

O próprio Ciro constantemente evoca uma tríade bastante oportuna: “ideia, exemplo e militância”. Trata-se de uma tríade fundamentalmente revolucionária (que se traduz, respectivamente, nos conceitos gramscianos de: “filosofia da práxis”, “autoridade moral e intelectual” e “guerra de posição” – e estes três se unificam no conceito de “hegemonia”). Ora, a ideia é necessária e absolutamente revolucionária.

‘Mas isto é elitismo academicista!’

Seria, se fosse uma apologia à ideia apenas. Mas exemplo e militância compõem a tríade com a mesma importância. Exemplo, militância mas nenhuma ideia, no entanto, é apologia à burrice. É militantismo, fetichismo da ação.
É como explica Álvaro Bianchi:

O militantismo é o fetichismo da ação, a crença de que a atividade permanente e direta conduzirá inevitavelmente a uma vitória decisiva. Com a vitória ao alcance das mãos é preciso colocar-se em frenético movimento. Da panfletagem ao piquete, do piquete à assembleia, da assembleia à reunião, para a seguir reiniciar o ciclo. O militantismo conduz toda a vida dos sujeitos políticos a um tempo circular que não deixa lugar para mais nada. Todo dia é igual. Todas as energias são consumidas. O fetichismo da ação só permite a repetição. A velocidade da ação dá a impressão de rápido movimento, mas o caminho percorrido conduz sempre ao mesmo lugar. O final de um dia agitado é apenas a véspera daquele que virá amanhã. O movimento não conduz a parte alguma. Paradoxalmente o militantismo tem como consequência a passividade. Os sujeitos aparentam mover-se, mas não saem do lugar. […] Narciso, o militantista só deseja o que é imediatamente reconhecido como idêntico a si próprio. Os amores, os afetos, as companhias devem ser iguais a ele, ter as mesmas crenças, participar das mesmas atividades. Só se apaixona por si mesmo. Os outros são o espelho perante o qual se deleita na autocontemplação. Fechado àquilo que é diferente, o militantista reduz sua vida sentimental e afetiva ao mínimo necessário. Afasta-se daqueles que não reconhece como iguais, rompe laços afetivos de longa data, imerge em um mundo coabitado pelas poucas pessoas que partilham não apenas os mesmos compromissos, como, principalmente, o mesmo estilo de vida. Sente-se seguro, assim. Sua identidade não é ameaçada pela diversidade e pelo desconhecido[1].

O que ocorre no petismo é uma armadilha perversa e dificilmente escapável. É o apagamento total da ideia e adesão à necessidade do dia: Joaquim Levy, Henrique Meirelles, etc. A isso se soma a falta de exemplo, pois suas práticas políticas escandalizam a população quer eles queiram ou não (e como comentamos, todas elas relativizadas por seus membros). O único elemento que sobra é o apego desesperado à militância, que corre em movimento circular como fetichismo da ação.

Por isso, ser verdadeiramente revolucionário hoje em dia significa apoiar o bloco social liderado por Ciro Gomes (mas que não quer nem pode ser dependente dele) por um Projeto Nacional de Desenvolvimento. É seu conteúdo político-econômico precisamente o que vai mais ‘à raiz do problema’ (o diagnóstico e a terapêutica que dele salta) e por isso mesmo deveria ser considerado o mais ‘radical’. Está à direita do petismo na forma, e à esquerda no conteúdo. Noutras palavras: é mais ousado do ponto de vista de suas propostas, mas é mais convidativo em sua apresentação.

Este é exatamente o lugar revolucionário onde se deve estar.

Por Caio Gontijo

Referências

Referências
1 BIANCHI, Álvaro. Crítica ao militantismo. Blog Junho. 31 jun. 2016. Disponível em: < http://blogjunho.com.br/critica-ao-militantismo/ >. Acesso em 21 jun. 2018.