Roger Waters e a autocensura em tempos de ódio

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Foto: Rafael Strabelli / Nação da Música.
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Fui ao segundo show do Roger Waters em São Paulo nessa quarta (10/10). O primeiro show, que ocorreu na terça, foi marcado por duas polêmicas relacionadas ao mesmo assunto: em diferentes momentos foram projetados no telão os dizeres “elenão” e uma lista de líderes neofascistas em ascensão no mundo, na qual constava o nome do presidenciável Jair Bolsonaro. Por essas manifestações, Roger foi vaiado por boa parte dos presentes e o ambiente pesou na plateia entre os que concordavam e aqueles que discordavam dessas afirmações.

Pois bem, ontem o “elenão” não foi projetado no telão e a lista de líderes neofascistas apareceu com uma tarja e os dizeres “ponto de vista político censurado”. A tarja piscou em determinado momento e embaixo era possível ler “Brasil – Bolsonaro”.

Bom, nesse momento pipocaram duas brigas perto de onde eu estava com a minha namorada, os seguranças tiveram que agir rápido. Em uma delas, os seguranças não deram conta e tiveram de chamar a PM. Detalhe que estávamos nas cadeiras.

Nessa década fui a incontáveis shows e nunca, NUNCA tinha visto algo assim.

No fim do show, Roger decidiu falar. Ele disse que na noite anterior viu pessoas se agredindo na platéia e no estacionamento na saída do show, e que as pessoas deveriam guardar essa energia para lutar contra os “pigs” (alusão aos políticos na música do Pink Floyd com esse nome) e não entre si. Palmas e vaias ao mesmo tempo. Eis que Roger, sem entender, fala: “Eu não sei porque vocês estão fazendo isso. Desse jeito prefiro não participar dessa conversa”. E partiu para as músicas finais do show.

Agora imaginem: um artista, conhecido por sua trajetória de engajamento, se vê obrigado a censurar uma opinião com receio que a mesma cause alguma tragédia na plateia. Percebam a que ponto chegamos. Se emitir uma opinião crítica sobre o tal candidato já desperta tamanho ódio de seus seguidores, a ponto de outras pessoas serem agredidas, vocês já imaginaram essas pessoas no poder?

Em 2012 fui ao show “The Wall” do Roger, tão politizado quanto, ou talvez até mais do que esse de ontem, e nada parecido aconteceu. Estamos caminhando a passos largos para o abismo e não podemos fazer de conta que não está acontecendo.

Não está tudo bem e é preciso falar. Antes que caminhemos de vez para o caminho sombrio e tortuoso do autoritarismo. Os sinais estão aí e só não vê quem não quer.

Por Vinícius Juberte.