O cenário atual e futuro do mercado de lançamentos de satélites, o engodo do governo Bolsonaro e as potencialidades da base de Alcântara

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Diversos sites especializados do setor espacial e sites de investimento estão prevendo que a SpaceX praticamente monopolizará o mercado de lançamentos comerciais de satélites, com 90% desse mercado, até 2025. Isso se deve porque desde 2017 os custos de lançamento dos seus principais veículos lançadores, o Falcon 9 e o Falcon Heavy, são respectivamente US$ 50 milhões e US$ 90 milhões e o veículo lançador Ariane 5 da sua principal concorrente nesse mercado, a Arianespace, custa US$ 137 milhões. Só para explicar o que os números acima significam, o Falcon 9 tem a mesma capacidade de lançamento de carga do Ariane 5 com menos da metade do seu custo e o Falcon Heavy tem capacidade de lançar 4 vezes a carga do Ariane 5, custando 65% do valor do custo de lançamento do Ariane 5. E para piorar a situação da Arianespace, os custos de lançamento dos veículos lançadores da SpaceX tendem a cair ainda mais com a tecnologia de reutilização do veículo lançador, que já foi inclusive testada. Segundo a SpaceX, o mesmo veículo poderá ser reutilizado até 10 vezes.

Na tentativa de não ser “expulsa” do mercado de lançamentos comerciais, a Arianespace está apostando no Ariane 6 que terá um corte de 40% do custo de lançamento em relação ao Ariane 5 e chegará ao mercado em 2020, porém a própria “Chambre régionale des comptes” que é um órgão de auditoria do orçamento do estado francês, lembrando Arianespace é uma empresa francesa, lançou um relatório anual agora em 2019, o rapport public annuel 2019, criticando a estratégia da empresa de não apostar diretamente na tecnologia de reutilização de veículos lançadores porque quando o Ariane 6 chegar ao mercado, a SpaceX já terá dominado totalmente essa tecnologia e essa tecnologia já terá tomado conta do mercado e por consequência o custo de lançamento do veículos lançadores da SpaceX cairá ainda mais. O “Centre National d’Études Spatiales” que é a agência espacial francesa começou agora o estudo de um motor reutilizável para foguetes que eles estão chamando de “Prometheus” e de um foguete reutilizável que nomearam de “Callisto”, mas pouco se avançou desde então. Diante desse cenário, o CEO da Arianespace, Alain Charmeau, está utilizando os argumentos de preservação do programa espacial europeu, segurança dos países da União Europeia e da proteção dos empregos desses países para tentar convencer que os países europeus utilizem o Ariane 5 e o Ariane 6 ao invés dos foguetes Falcon da SpaceX.

Por que é importante saber disso tudo? Porque o governo Bolsonaro assinou um acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os EUA sob pretexto desse acordo ser o salvador financeiro da base de Alcântara e até mesmo do setor espacial brasileiro. Como escrevi no texto anterior, e que pode ser acessado clicando aqui, o ministro Marcos Pontes foi numa comissão do senado e apresentou números totalmente mentirosos em relação ao potencial de geração de recursos financeiros a partir do acordo com os EUA, mas não vou me aprofundar nessas informações porque já foi tudo falado no texto anterior. O ponto aqui é que a SpaceX, que vai monopolizar o mercado de lançamentos comerciais, já declarou em entrevista que não tem motivo e nem vontade de lançar a partir da base de Alcântara. As outras grandes empresas estadunidenses, United Launch Alliance e Blue Origin, também já declararam que não virão para o Brasil. A Arianespace que ainda vai ter alguma parcela, ainda que pequena, desse mercado vai continuar lançando do centro de Kourou. E o ministro Marcos Pontes não apresentou sequer um plano para a base e para o setor como um todo e, quando perguntado por senadores e posteriormente por deputados, disse que a fase de planejamento seria a segunda etapa e que a primeira etapa era aprovar o acordo baseado apenas na motivação financeira que como foi mostrado não tem fundamento. Se for depender de grandes empresas para vir para cá, pode jogar o acordo na lata do lixo.

Então, inicialmente, o que sobraria para o Brasil? O mercado de nano e micro satélites tem previsão de crescimento muito elevado e o segmento de lançamentos desses pequenos satélites crescerá na mesma proporção. Segundo sites especializados e de consultoria, 89 pequenos satélites foram lançados apenas no último trimestre do ano passado. De 2018 até 2030 estão projetados para serem lançados 11.746 pequenos satélites, satélites com massa de 0 até 15 kg e 150 até 500 kg responderão por 73,8% do mercado de pequenos satélites. Esse mercado de lançamentos de pequenos satélites alcançará  mais de US$ 60 bilhões até 2030. O mercado de pequenos satélites poderia ser atualmente muito maior do que é hoje, mas existem alguns problemas que impedem esse crescimento. O primeiro é que como não existem foguetes de menor porte específicos para o lançamento de pequenos satélites em uso, as empresas e instituições que produzem pequenos satélites são obrigadas a esperar o lançamento de um satélite de grande porte, como o Falcon 9 e o Ariane 5, para poderem “pegar carona” no mesmo veículo lançador de grande porte. E essa espera pode chegar até a 2 anos. O outro problema é que, atualmente, os principais centros de lançamento do mundo não estão preparados para suportar veículos lançadores de menor porte porque as infraestruturas atuais desses centros de lançamento foram padronizadas para veículos lançadores de satélites de porte muito maior.

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Bem, diante dessas informações, o Brasil tem alguns trunfos na mão e os ventos estão começando a soprar a favor do país, caso o país faça um planejamento correto e não fique preso a ideologias e amadorismos, como parece estar no atual momento. Explico o que quero dizer. O Brasil está em fase final de desenvolvimento, através da Força Aérea Brasileira, de um Veículo Lançador de Microssatélite, o VLM, que terá capacidade de lançar até 150 kg de massa e também já começou a desenvolver outros dois veículos lançadores de satélites, o Áquila I e o Áquila Ie, que terão capacidade de lançar 300kg e 500 kg de massa respectivamente. E além da Força Aérea Brasileira, já existem startups brasileiras desenvolvendo também veículos lançadores de pequenos satélites, que é o caso da VSAT Space Program que está desenvolvendo um veículo lançador com capacidade de lançar até 100 kg. Aliás, o projeto deles, chamado “Panthera”, está focado em desenvolver um veículo lançador com propulsão líquida reutilizável e um sistema de pouso vertical do foguete, muito similar a tecnologia da SpaceX que utiliza essa tecnologia para foguetes de maior dimensão, como foi mencionado anteriormente. Também existem outras duas startups brasileiras desenvolvendo veículos lançadores de pequenos satélites, que é o caso da Acrux Aerospace Technologies  e da PION Labs. Outro trunfo do Brasil é a infraestrutura da base de Alcântara que responde justamente ao problema mencionado da falta de estrutura dos principais centros do mundo em relação a foguetes de menor porte. A infraestrutura da base de Alcântara atual é para suportar veículo lançador de satélites do porte do VLS-1, que seria capaz de lançar até 380 kg. Para se ter uma ideia do potencial desse mercado de pequenos satélites, a agência espacial indiana, ISRO, que já possui veículos lançadores de grande porte está desenvolvendo um veículo lançador de menor porte com capacidade de lançamento de até 500 kg que seria equivalente ao nosso futuro Áquila Ie. Hoje, a ISRO já ganha o equivalente a US$ 40 milhões anuais apenas com lançamento de pequenos satélites, mas ainda utilizando foguetes de grande porte que tem aquele problema mencionado anteriormente de ter que esperar um satélite de grande porte. Com o desenvolvimento do veículo lançador de menor porte, nomeado SSLV, específico para nano e micro satélites, que tem previsão de entrar no mercado no meio desse ano de 2019, a Índia espera fazer de 50 a 60 lançamentos por ano em até 10 anos, o que segundo eles, geraria aproximadamente US$ 300 milhões anuais.  Existem várias outras empresas europeias, estadunidenses, asiáticas e até australianas desenvolvendo foguetes também específicos para pequenos satélites. Vai vencer quem tiver capacidade de lançar com menor custo que está projetado para ficar entre US$ 2,5 milhões até US$ 12 milhões dependendo do tamanho do foguete, quem já tiver a infraestrutura adequada e uma indústria com capacidade de produção suficiente, o que significa que antes precisa ter um certo grau de maturidade tecnológica em relação a esse tipo de veículo lançador e aqui no Brasil nós já temos uma empresa chamada Avibrás que já está participando do desenvolvimento e produção do VLM.

Agora voltemos a falar do acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA. Depois de todas essas informações que foram apresentadas, qual seria a lógica de assinar um acordo que abre nossa base para que startups estadunidenses venham lançar aqui do Brasil? Elas não serão também nossas concorrentes nesse mercado? Por que não usar a nossa posição geográfica privilegiada a favor de nossas empresas? Por que já não sair na frente das outras uma vez que já temos a infraestrutura pronta? Por que não aproveitar essas vantagens para desenvolver aqui uma indústria forte de produção de veículos lançadores de satélites de pequeno porte? Por que não tentar dominar esse mercado e gerar dinheiro para investir no desenvolvimento de veículos lançadores de maior porte e finalmente poder usar a vantagem de 30% de combustível para foguetes brasileiros? Por que o GSI, ainda no governo Temer, sob comando do Sérgio Etchegoyen, que foi quem liderou o grupo de trabalho que desenhou o atual acordo que foi assinado pelo Bolsonaro e o Trump, não levou em consideração o cenário atual e o futuro? Uma vez que o Brasil tem um programa espacial e visa desenvolver veículos lançadores de vários portes, por que o acordo abre a possibilidade para os EUA lançarem daqui seus foguetes e utilizem a vantagem que era pra ser nossa? Por que não fizeram um acordo como o da Índia que apenas possibilita que satélites estadunidenses possam ser lançados de foguetes indianos? Por que assinar um acordo que nos impede de fazer cooperação tecnológica com países não signatários do MTCR, como a China que, aliás, já temos um acordo de cooperação e satélites? Por que o acordo dá poder para os EUA embargar qualquer lançamento que tenha uma única peça vinda daquele país? Por que os principais centro de lançamento do mundo só lançam foguetes dos seus respectivos países e o Brasil tem que abrir para outros lançarem seus foguetes daqui? Por que fazer um acordo com um país que, segundo o Wikileaks, já bloqueou transferências tecnológicas ao Brasil dizendo que nosso país não pode ter veículo lançador de satélites? A resposta pra isso tudo está muito clara, pelo menos pra mim, esse acordo é muito mais ideológico do que técnico. Tanto é assim que ao invés do ministro apresentar um plano estratégico para a base e para o setor, ele se limitou a falar apenas da necessidade financeira cega  de se aprovar esse acordo como se fosse nossa única alternativa. Não é nossa única alternativa e não é nem o que vai salvar o setor espacial brasileiro. Todos os países do mundo com programas espaciais avançados dependem vitalmente do ORÇAMENTO DO GOVERNO e de programas das suas forças armadas e de seus órgãos e    agências. Essa conversa de que viraremos uma potência na área apenas com a parte comercial é papo de quem não conhece o setor ou está subordinado ideologicamente. Desenvolver comercialmente a base de lançamento é bom, mas vital para o setor é ter um orçamento compatível com o tamanho continental e as inúmeras demandas espaciais do nosso querido Brasil.

 

Por Felipe Dias, editor do canal Progressista

  1. Felipe, progresista, porque nao reclamas isso do lula e a dilma? Sim, o Brasil nao tem nada funcionando. Nada. Tudo esta sendo feito em simuladores free. Desenvolver uma industria forte? como assim? nao temos? nossa. Feli pão, no Brasil nao fabricamos nada espacial, no maximo paneles solares para terra. Meu, tens que sacar mais do negocio.

  2. Resposta ao usuário cujo nickname é “EU”. Primeiramente, eu tenho muitas críticas aos governos Lula e Dilma em relação ao setor espacial. Por exemplo, ter gastado R$ 1 bilhão na criação de uma empresa binacional com a Ucrânia que no final virou prejuízo aos cofres públics. Não ter investido maciçamente como um projeto de estado no desenvolvimento de veículos lançadores de satélites de médio e grande porte quando deixou de dar recursos para os veículos VLS. E por não ter estratégia nenhuma para essa área. Porém, quem está no poder agora não é mais o PT e sim o Bolsonaro e não estou vendo mudança nenhuma para melhor no que tange orçamento e planejamento estratégico. E, pior ainda, esse governo está querendo alugar a base como se fosse a solução para nossos problemas. E, para sua informação, o Brasil fabrica muitas coisas espaciais. O Brasil fábrica há muitas décadas veículos de sondagem. O Brasil está na eminência de lançar o microssatélite 100% nacional denominado Amazônia-1. O Brasil já lançou junto com a China satélites de construção em parceria, o Brasil possui nanossatélites no espaço. O Brasil, como foi informado no texto, está na eminência de ter seu próprio lançador de micro e nano satélites. Enfim, você deveria se informar antes de vir com críticas vazias e sem fundamento.

  3. o Brasil pode firmar acordos de lançamento com a China, com a Índia, com o Japão, com Israel, países bem ao norte da linha do Equador, portanto, cujos lançamentos são mais custosos. De fato, a ESA utilizará a Base na Guiana Francesa, que é relativamente perto da linha do equador, e pela caracteristica europeia de protecionismo de suas indústrias, não há motivo para fazer acordo com o Brasil, mas, as empresas americanas poderão transferir uma parte de seus lançamentos para a Base brasileira, pois a demanda deles aumentará, e lançar de Alcantara reduz custos por já ter um acordo de salvaguarda tecnológica, que é elemento essencial. Então sim, o CLA tem muito potencial, nada de lata do lixo.

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