Socialismo não é um modo de produção

Por Thalles Oliveira Campagnani e João Rafael Chió Serra Carvalho - É muito comum associar o socialismo ao modelo econômico da União Soviética, que era majoritariamente o modo de produção estatal, e então concluir que o socialismo é uma estatização dos meios de produção. Entretanto esse argumento não se sustenta teoricamente (Socialismo Científico) e também não se sustenta na materialidade histórica (Socialismo Real). A importância de esclarecer este aspecto é que muitas pessoas não se denominam socialistas justamente por não concordar com a estatização dos meios de produção, e não ter claro essa diferenciação esclarecida.
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Por Thalles Campagnani e João Carvalho – É muito comum associar o socialismo ao modelo econômico da União Soviética, que era majoritariamente o modo de produção estatal, e então concluir que o socialismo é uma estatização dos meios de produção. Entretanto esse argumento não se sustenta teoricamente (Socialismo Científico) e também não se sustenta na materialidade histórica (Socialismo Real). A importância de esclarecer este aspecto é que muitas pessoas não se denominam socialistas justamente por não concordar com a estatização dos meios de produção, e não ter claro essa diferenciação esclarecida.

Karl Marx foi um cientista cujo principal objeto de estudo foi a sociedade de classes capitalista. Depois de muito estudar esta e outras sociedades de classes que já existiram, como por exemplo a sociedade feudal, chegou à conclusão que nossos principais problemas, como a pobreza, são frutos destas formas de organizações econômico-sociais, e, portanto, a solução passa principalmente por mudar a forma de organização econômico-social, de certa forma a transformar a sociedade de classes em uma sociedade sem classes, ou seja, em uma sociedade comunista. São vários os argumentos que justificam um dia a sociedade ser comunista, como o mais importante, o “fim da exploração do homem pelo homem”, isto é, humanos de determinada classe social explorando os humanos de outra classe. Nesse artigo será trabalhado o argumento da automação total dos meios de produção.

Cada vez mais as empresas vão sendo automatizadas. Começou na primeira revolução industrial com as máquinas a vapor, com a hidráulica e pneumática. Aumentou na segunda revolução industrial, onde foram inseridas a eletrônica e as máquinas elétricas no âmbito produtivo. Aumentou ainda mais na terceira revolução onde foi inserida a computação no meio produtivo, e com ela a robótica. Todas automações feitas nessas três revoluções industriais extinguiram muitas funções (e portanto empregos) mas criaram muitas outras funções também. Mas isto está mudando com a revolução industrial que estamos vivendo, a quarta revolução industrial, que tem como características principais o uso da comunicação de alta velocidade e grandes distâncias, armazenamento e processamento de grandes quantidades de dados (big data), e uso inteligência artificial nos processos produtivos.

Essa revolução não está criando novas funções e empregos na mesma medida que extingue. Ao contrário, em alguns casos está extinguindo quase totalmente o ser humano do processo produtivo, como é o caso do novo terminal no Porto de Qingdao que a China inaugurou. Ele é totalmente automatizado: os robôs operam o terminal do porto abastecendo e retirando contêineres do navio, além disso eles carregam as próprias baterias, comunicam uns com os outros, e uma inteligência artificial coordena toda a logística do terminal. Ao todo trabalham apenas 9 pessoas, todos em uma sala com ar condicionado, e esse terminal movimenta um total de 5,2 milhões de TEUs (equivalente ao contêiner padrão de 6 metros). A previsão do maior porto do Brasil, o Porto de Santos, é movimentar 4,4 milhões de TEU’s em 2020, e ele emprega aproximadamente 1500 funcionários. Ou seja, apenas um terminal automatizado de um porto da China movimenta mais contêineres do que o maior porto do Brasil inteiro.

Em algum momento da história quase todas as empresas chegarão em um nível de automação praticamente total dos meios de produção, libertando o homem do trabalho repetitivo, em prol de um trabalho criativo. Neste estágio da humanidade os humanos poderão usar seu tempo para focar na ciência, na arte, na política, conviver socialmente, e como mais quiserem gastar seu tempo. As maquinas produzirão o que eles precisem, e a produção poderá ser regulada pela demanda, de forma que todos recebam somente o que precisam, quando precisam. Isso é o que Marx chamou de libertação das forças produtivas.

Entretanto a lógica da atual economia capitalista não permite isso, pois, modernamente, o capitalismo se sustenta no consumo em massa. Se hipoteticamente as indústrias são totalmente automatizadas, elas não geram salários para os trabalhadores, que por sua vez não teriam dinheiro para consumir os produtos produzidos pela empresa, que por sua vez não iria lucrar. Os economistas capitalistas tentam criar soluções para este e outros problemas, como a mais conhecida das soluções, a renda básica universal, onde o estado iria garantir a renda da classe trabalhadora para que a mesma possa consumir, e portanto para que as empresas possam lucrar.

O que os economistas capitalistas não irão conseguir solucionar mantendo o sistema capitalista é a seguinte contradição do sistema: existe uma classe social detentora de praticamente todos os meios de produção, a burguesia, e uma outra classe social que não é dona dos meios de produção e só tem a oferecer a sua força de trabalho, a classe trabalhadora, mas que esta não será mais necessária devido ao estágio avançado de automação. Porque a burguesia deveria produzir para a classe trabalhadora? Porque não diminuir a produção, deixando a classe trabalhadora na escassez, de forma a preservar os recursos naturais para seu bem próprio no futuro? Ou ainda, porque não simplesmente cessar a produção para a classe trabalhadora? Porque uma criança de família burguesa, deveria herdar um meio de produção totalmente automatizado, e este ser passado eternamente de geração em geração, tendo os herdeiros nada feito para merecer isso?

É evidente que não faz sentido manter os modos de produção sob o controle da burguesia, sendo necessário realizar a transição, em algum momento da história, do modo de produção capitalista para o modo de produção comunista, isto é, um modo de produção comum a todos. Desta forma, devido ao fato que os modos de produção pertencem a todo povo, não existe uma classe burguesa, apenas existe a classe trabalhadora. Esta sociedade é a chamada de sociedade comunista.

Pois bem, já existe um sistema de transição da sociedade de classes para a sociedade sem classes, mais especificamente: do capitalismo para o comunismo. É o Socialismo Científico. Este consiste na classe trabalhadora detendo o poder político do estado (ditadura do proletariado), fazendo análises científicas da realidade (usando métodos científicos, como o materialismo histórico), estabelecendo uma utopia concreta (um objetivo realizável), e a partir disso criando um método de transformação da realidade. Esse processo é repetido por um tempo indeterminado até a sociedade mundial atingir o comunismo.

O termo foi cunhado junto a outro termo, o Socialismo Utópico, de certa forma a fazer uma distinção categórica. A principal característica deste é criar uma “utopia socialista”, ou seja, uma sociedade ideal, perfeita, socialista, não necessariamente realizável, e ainda que não vem acompanhada de um método de transformação da realidade. Muitas vezes também chamado de Socialismo Burguês, fazendo a ironia que seria necessário a “boa vontade” da burguesia para realizar a utopia devido ausência de método de transformação. O Socialismo que não é científico, é utópico. Tendo isso em vista, neste artigo o termo socialismo será usado apenas como sinônimo de socialismo científico, e portanto é possível afirmar que não é um modo de produção, já que, a utopia concreta do socialismo científico (o modelo econômico incluso) nasce da decisão da classe trabalhadora baseada na realidade material, na conjuntura interna e externa. Sendo assim, o socialismo não é restrito a um modelo econômico, ou a um modo de produção, como faz o Socialismo Utópico.

No Socialismo, por ser uma fase de transição ao comunismo, coexistem ambos modos de produção. No início do socialismo é natural que existam mais modos de produção capitalistas, pois a sociedade não se transforma do dia para noite, e conforme a classe trabalhadora vê a necessidade esse modo de produção pode ter sua quantidade diminuída. Ou não! Por exemplo a China com sua “Reforma e Abertura”: a partir de 1978, depois de uma análise científica da realidade que concluiu um baixo desenvolvimento das forças produtivas devido ao seu modelo econômico, e, depois de estabelecer uma utopia concreta, uma sociedade socialista com maior grau de modo de produção capitalista de forma a acelerar o desenvolvimento das forças produtivas, criou um método de transformação da realidade, a “Reforma e Abertura”, que, dentre outras coisas, criou várias zonas econômicas especiais. A própria União Soviética tomou a decisão de expandir o modo de produção capitalista em determinado momento da história, criando e implementando a NEP, Nova Política Econômica, na década de 1920 quando liderada por Lenin.

O Governo na Coreia do Norte tem o entendimento que a propriedade estatal é propriedade de todo povo, enquanto as cooperativas, por exemplo, não. Por isso, o Governo tem a intenção de estatizar as cooperativas, que são maioria no campo (cerca de 80%). Já o Governo de Cuba está com o entendimento que cooperativas são mais eficientes que estatais, por isso tem o objetivo de transformar várias de suas estatais em cooperativas. Analisando 3 das 5 experiências de Socialismo Real existentes hoje, percebemos que os modelos econômicos além de não serem os mesmos, não caminham na mesma direção: China caminha para o modo de produção privado, Cuba cooperativo, e Coreia estatal. Se socialismo fosse um modo de produção, qual seria? Algum desses três ou outro ainda não citado, como comunas ou propriedades coletivas?

No século XX muitas experiências socialistas copiaram o modelo econômico da União Soviética, isso se deve ao sucesso do mesmo, isto é, a União Soviética saiu do status de ser um dos países mais pobres do mundo antes da revolução, de desenvolvimento capitalista atrasado, com partes da economia semifeudal, para ser 2° potência econômica e militar a nível mundial em 30 anos. O entendimento da classe trabalhadora de outras experiências socialistas é o famoso ditado do “não se mexe em time que está ganhando”, e passaram a copiar o modelo econômico esperando obter o mesmo sucesso. Muitos países obtiveram sucesso sim, como a Coreia nos anos 60 que foi um dos países que mais rapidamente se industrializou no mundo, outros não, como a China no mesmo período.

Por fim, é importante qualificarmos o debate do que é e não é o socialismo, de forma a remover esses equívocos do senso comum e estes argumentos espantalho: “Não sou socialista, pois não concordo com a propriedade estatal em todos fatores de produção” e “Eu gostaria de algo no caminho do meio, que misture a economia capitalista e socialista”, sendo que, talvez muitas pessoas com estes argumentos sejam socialistas e não saibam. Tudo bem ser socialista e ter o entendimento que agora não é o momento de extinguir o modo de produção capitalista.

Por: Thalles Oliveira Campagnani, PDT-MG; e
João Rafael Chió Serra Carvalho, doutorando em história na UFMG.

 

Por Thalles Oliveira Campagnani e João Rafael Chió Serra Carvalho - É muito comum associar o socialismo ao modelo econômico da União Soviética, que era majoritariamente o modo de produção estatal, e então concluir que o socialismo é uma estatização dos meios de produção. Entretanto esse argumento não se sustenta teoricamente (Socialismo Científico) e também não se sustenta na materialidade histórica (Socialismo Real). A importância de esclarecer este aspecto é que muitas pessoas não se denominam socialistas justamente por não concordar com a estatização dos meios de produção, e não ter claro essa diferenciação esclarecida.

  1. Tem uma contradição clara no texto: se o desenvolvimento das forças produtivas chegou a um grau que a necessidade de trabalho diminui, em nenhum momento gera um trabalho criativo, mas uma quantidade de trabalhadores supérfluos não-rentáveis, todos que acreditaram que a grande indústria libertaria o trabalhador erraram, pois ser ou não trabalhador hoje é estar ou não vivo. Segundo, se o trabalho torna-se supérfluo, o proletariado deixa de existir. Ser operário é aquele que produz valor, na indústria, resto são trabalhos improdutivos. A contradicao capital e trabalho não se manifesta mais no antagonismo de classes, mas no antagonismo incluídos e excluídos. Socialismo não faz mais sentido, apenas comunismo e com base nas análises de Marx sobre o que difere a produção mercantil e as produção das comunidades. O fim da comunidade é a origem do capitalismo.

  2. Me surpreende como o modo de produção capitalista conquistou coração e mentes de alguns que se dizem socialista. Não vejo qual a lógica por trás de achar que só o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas é que liberariam o humano e permitiriam o surgimento de socialismos/comunismo. As mentes de muitas pessoas continuam colonizadas. Mas tudo bem, o feudalismo durou 1000 anos, não vai ser tão fácil vencer o capitalismo, ainda mais com esses “socialistas” que defendem o capital. Aqui chego no meu principal ponto: em nenhum momento do texto criticou-se o capital e a mais valia. A extração de mais valia na forma de capital, que é a característica do modo de produção capitalista, é o que escraviza o humano. A livre iniciativa não é exclusividade do capital. Seria interessante debater a oposição economia centralizada x livre iniciativa, aí sim o texto faria lgum sentido. Mas é imprescindível rejeitar o capital e o lucro. Se vc acredita que o humano só se move por causa do lucro então vc não é socialista. Livre iniciativa não tem nada a ver com lucro e propriedade privada.

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