O voto de Tabata Amaral e as contradições da esquerda

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A Tabata Amaral unificou a esquerda. Fez o que Lula, Ciro Gomes, Prestes, Vargas, e tantos outros ao longo da história sempre sonharam, mas jamais conseguiram fazer. A ironia, porém, é que o elemento de unificação, no caso, não foi a união em torno de sua pessoa como liderança ou algo do tipo, mas sim no sentimento de ódio e linchamento público de sua figura.

Ela tomou a decisão polêmica de ir à contramão da orientação partidária, votando a favor do texto base da reforma da previdência, mas nunca na história da esquerda brasileira uma posição “equivocada”, contraditória ao senso comum do campo progressista, gerou uma reação tão inflamada como esse episódio. Ao ponto de levar militantes do PSOL, PCB, PSTU, PCO, PT, PCdoB, e PDT a fazerem verdadeiros “corredores poloneses virtuais”, crucificando-a ininterruptamente por mais de 72h em redes sociais.

Ao contrário do céu de brigadeiro da esquerda unida, que sempre lutou pelos mais pobres e nunca cometeu erros, esses fariseus se esquecem que a história da esquerda está cheia de contradições e equívocos. Dilma, em seu segundo mandato, promoveu um estelionato eleitoral nomeando Joaquim Levy ministro da fazenda, entre outras aberrações. O PDT durante anos aturou o Paulinho da força aparelhando o partido em São Paulo, e ainda hoje tolera vereadores e prefeitos sem vínculo ideológico da esquerda. Getúlio Vargas, durante certo período do Estado Novo, aturou e endossou a atuação dos fascistas integralistas, inclusive deportando Olga Benário Prestes, grávida, para os campos de extermínio de Hitler, e a lista continua…

Nunca, em nenhum desses episódios de gravidade e impacto maiores que o caso Tabata, os militantes do próprio partido se rebelaram em tamanha fúria coletiva pedindo a cabeça de dirigentes. Historicamente um balanço das ações é feito, ocorrem autocríticas, paixões são amenizadas, e a luta segue. Pois, o importante não são erros pontuais, mas a estratégia política de um todo, que deve levar ao desenvolvimento do Brasil e a luta contra as desigualdades.

Tabata Amaral sempre foi uma contradição benéfica ao PDT, contradição pois seu jeito de fazer política é próprio, diferente aos padrões da esquerda. Ela passou por um processo eleitoral vitorioso desenvolvendo uma estratégia de forma autônoma junto à sua equipe e, ao contrário das “fake news” generalizadas, ela não ganhou milhões do Huck, Lemann ou de grandes bancos, uma vez que a captação de recursos para sua campanha se deu batendo de porta em porta de cada possível doador. Por fim, ela foi uma das deputadas federais mais bem votadas do país sem grande apoio do partido.
Essa postura “independente” de sua eleição fez com que ela não escolhesse militantes do partido para a composição de seu gabinete, selecionando seus assessores via processo seletivo, onde do PDT apenas Malu Molina assumiu uma posição na assessoria, por passar por todas as fases do processo.

Assim como na composição do seu gabinete, Tabata pautou seu mandato sempre de forma extremamente técnica e pouco política, o que incomodava a muitos no PDT, que não expressavam suas posições de maneira aberta pelo bom momento da deputada, e por suas posições coerentes, em especial no papel de desmascarar o ex-ministro da educação Ricardo Vélez. Salvo alguns episódios pontuais, onde militantes extremados elaboraram “abaixo-assinados” para uma eventual expulsão da Tabata do PDT, o que fora rechaçado nacionalmente.

O bom momento do mandato levou Carlos Lupi a cogitar o nome dela como candidata do partido à Prefeitura de São Paulo. Os eventos do “Gabinete Itinerante”, ação muito relevante de contato com os eleitores, impulsionaram a consolidação do PDT em diversas cidades. Em especial no Grande ABC, onde essa atividade fora fundamental para estabelecimento de grupos orgânicos do partido em São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano, cidades a muito tempo sem expressão verdadeira de trabalhismo.

Cada “Gabinete Itinerante” mobiliza em média 300 pessoas, e discute temas de relevância para cada localidade, como a questão do financiamento da educação, da dependência química, da cultura como agente impulsionador da inclusão nas periferias, das contradições da indústria da moda (têxtil). Além de escancarar para a militância do partido a situação real do povo do estado de São Paulo, com o “Gabinete” indo às escolas, às universidades, e às comunidades, como a Vila Missionária, na periferia da Zona Sul, e chegando até mesmo às palafitas de Santos.

Tabata, em menos de seis meses de mandato, conseguiu se tornar um dos nomes mais importantes do PDT, prova maior disso é toda a força dos gritos de expulsão irem contra “a Tabata e os outros oito deputados”. Quem são esses outros oito?! Poucos sabem de cor os seus nomes, que ficam ofuscados pela tamanha projeção que o nome de Tabata conquistou.

Seu voto, no caso da previdência, se deu por ter conseguido após muito esforço ter “suavizado a reforma” via emendas, garantindo por exemplo o fim da capitalização sem contribuição patronal e a manutenção da aposentadoria especial para mulheres. Ela não queria perder o trabalho de sua articulação e votou pelo “sim”. Reitero, em minha opinião esse é um equívoco, um desgaste desnecessário com o partido uma vez que a questão estava fechada internamente.

A direção do partido, a meu ver, também se equivocou ao tencionar a questão, visto que era sabido de antemão a decisão de “Tabata, e os outros oito deputados”. Pragmaticamente, faria mais sentido não dar destaque a questão, deixando a votação acontecer, e àqueles que votassem “Sim”, enviar uma advertência, pois perder oito deputados federais, sendo um deles uma grande liderança jovem do partido, em uma conjuntura dominada pela extrema direita é praticamente um suicídio político. Seria uma contradição simples de aguentar para um PDT que em nome do pragmatismo já aturou ações e personalidades bem mais condenáveis no passado.

Vale lembrar que, no cenário de contradição política, o PDT decidiu de maneira bastante controversa apoiar estrategicamente Rodrigo Maia à presidência da Câmara no início do ano e, nessa mesma eleição, Tabata Amaral votou em Marcelo Freixo, candidato insuspeito de ser votado por uma “direitista infiltrada”, o que corrobora a visão de que o desvio na pauta da previdência fora pontual.

A paixão leva à cegueira e nos faz esquecer de encarar a realidade. Para Ciro Gomes ter a mínima chance em 2022 é necessária uma expansão do partido em São Paulo, sendo este o maior colégio eleitoral do país, onde temos apenas um deputado federal, a própria Tabata Amaral com impressionantes 264.450 votos. O segundo candidato pelo PDT a deputado federal mais votado em SP, saiu com uma diferença de 235.253 votos em relação a Tabata, o candidato a governador pelo estado teve sua candidatura indeferida pelo TRE por improbidade administrativa, na Alesp o PDT elegeu apenas um deputado e no senado o candidato mais bem sucedido ficou na 13ª posição, em linhas gerais, sem Tabata o PDT em São Paulo vinha sendo irrelevante.

Não há dúvida, Tabata Amaral é fundamental para a expansão do PDT em São Paulo, sua votação expressiva deve impulsionar as eleições municipais de 2020, criando base forte e palanques municipais para Ciro Gomes e outros candidatos majoritários. Sua expulsão do partido resultaria em uma perda incalculável para o PDT, que teria pouquíssimo espaço de tempo para criar uma base sólida no estado e novas lideranças relevantes, tarefa em que não obteve sucesso desde a era Brizola.

Infelizmente, esse cenário de sucessivos erros levaram a um dos episódios mais patéticos de hipocrisia e falta de visão da esquerda brasileira, em que militantes e líderes “históricos” do partido, na figura de reais encarnações de “Leonel Brizola”, tirando proveito das sinalizações precipitadas de expulsão vindas da Executiva Nacional, decidiram atacar a figura da deputada sem intervalos, espalhando boatos, criando piadas e memes de cunho pessoal e ofensivo, e clamando pela expulsão a todo custo.

Militantes esses que, em grande parte, até a semana anterior colocavam “selfies” com Tabata em suas redes sociais, não porque verdadeiramente a apoiassem, mas porque seu individualismo os obrigava a pegar um pouco da “boa imagem” da deputada. Tal hipocrisia absurda se volta contra Tabata, o bode expiatório do fracasso da “união da esquerda”, o elemento que faz todos virarem grandes “revolucionários”, que se preocupam em excomungar a deputada do partido, ao invés de canalizar essa energia para o trabalho político de religação com as bases, e de resistência a um dos governos mais reacionários da história brasileira.

O ápice do ridículo de todo esse episódio trágico, é a pitada final, os partidos de direita que aplaudem de pé o linchamento gratuito e têm seus dirigentes emitindo declarações públicas em redes sociais convidando a Tabata a ser “membro de honra dos seus partidos”. Atitude tomada por Roberto Freire do Cidadania (antigo PPS), Alexandre Frota do PSL e com destaque ao convite de João Dória do PSDB, que em seus convites irônicos, satirizam a situação e atacando dessa forma diretamente Ciro Gomes, minando sua reputação no campo de centro e centro-direita.

Por fim, rogo pelo bom senso da militância do PDT, que parem imediatamente com a hipocrisia, se é para colocar tanta força na expulsão da Tabata, que o façam todas as vezes que ocorrer uma contradição, o que já adianto não poderão fazer, pois as contradições são inevitáveis frutos da democracia, como sempre diz Ciro Gomes. Que saibam dar o peso correto às coisas, essa contradição da Tabata será resolvida pela direção do partido e pronto. Enquanto isso, Tabata Amaral continua no PDT, apoio sua permanência, quem quer vê-la fora do partido quer relegar o partido ao gueto do radicalismo.

Por Lucas Becker