Tabata Amaral no Roda Viva e o admirável mundo BOM

Tabata Amaral no Roda Viva e o admirável mundo BOM
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Uma jovem de 25 anos da periferia de São Paulo que, apesar de muito pobre na infância e órfã de um pai vitimado pelo vício em drogas, conseguiu vencer várias olimpíadas do conhecimento e ganhar uma bolsa da Fundação Estudar, fundada pelo empresário Jorge Paulo Lemann, para cursar astrofísica em Harvard. Lá, sensibilizada pelas oportunidades que jovens com o mesmo potencial perdem pela baixa qualidade da educação pública no Brasil, funda uma ONG para propor soluções técnicas ao problema. De volta ao país, militando pela causa, se integra a um movimento de renovação política, o RenovaBR, fundado pelo investidor Eduardo Mufarej, e, posteriormente, cria seu próprio movimento de renovação, o Acredito, sendo eleita deputada pelo estado de São Paulo.

Em enfática defesa da sanidade das contas públicas, nos termos de seu movimento de renovação, Tabata Amaral se insurge contra a orientação de seu partido e vota a favor da reforma da previdência proposta pelo governo Bolsonaro. Pouco antes da votação, justifica seu voto em um vídeo lançado nas redes sociais. Nele, afirma que a reforma ajudaria os pobres, como ela já o fora, e que o impacto da nova legislação recairia apenas sobre os mais ricos, que seriam aqueles que têm rendimento acima de 2 mil reais, segundo o critério de riqueza da deputada.

Suspensa e ameaçada de expulsão, denuncia aos quatro ventos a perseguição que estaria sofrendo por parte de ultrapassados dirigentes partidários do PDT incomodados pela ‘nova política’ que ela representa. O apresentador de TV Luciano Huck, entusiasmado financiador desses movimentos que dão bolsas e treinamento a jovens que desejam ‘renovar’ a política, toma as dores da deputada afirmando na mídia que “velhas raposas não entenderam que junto com renovação vêm a coragem e a independência”. O próprio Eduardo Mufarej assina uma nota em que questiona diretamente o PDT sobre a suspensão de sua deputada, enquanto a comissão de ética do partido não delibera sobre possível punição mais severa.

Esse é o resumo de uma trama que teve seu mais recente ato na entrevista concedida pela deputada Tabata Amaral ao programa Roda Viva da TV Cultura, emissora gerida pela fundação governamental Padre Anchieta. É a segunda vez esse ano que o programa convida um parlamentar de primeiro mandato, com apenas 9 meses de legislatura. O primeiro foi o deputado Alexandre Frota, que saiu do PSL e foi para o PSDB de João Doria.

A entrevista foi impecável. A deputada não titubeou em nenhuma resposta e apresentou um discurso muito bem estruturado sobre todos os assuntos levantados. E isso não se deu apenas em relação ao tema do processo que ela enfrenta no PDT – o que seria de se esperar de quem está se preparando para uma defesa que, como ela habilmente antecipou no programa para gerar as manchetes do dia seguinte, será feita na justiça para tentar levar o mandato do atual partido para um novo.

Tabata estava muito bem preparada para outros temas espinhosos, como na resposta à possível contradição entre se dizer feminista e, ao mesmo tempo, ser contra a legalização do aborto. Mandou uma fala redonda, sob medida para não desagradar ninguém (ou ninguém que não se queira desagradar), daqueles discursos possíveis só para políticos com muita intuição ou com acesso a uma ampla base de dados da opinião média de certos grupos-alvo. Base de dados esta que pode ter mostrado, por exemplo, que uma expressão como “boa política” é percentualmente mais aceita em determinado público que a expressão “nova política”. Ou que pode ter apontado o esgotamento das referências constantes à infância pobre, muito presente nas falas da deputada até então, ou mesmo trazido boas sugestões estéticas de figurino e maquiagem, para gerar empatia em segmentos específicos de um novo público que se deseja alcançar.

Tabata é mulher. Tabata é jovem. Mulher e jovem: duas palavras que foram repetidas muitas vezes ao longo da entrevista, seguida da problematização da representatividade desses dois segmentos nos meios políticos. Tábata é uma defensora das mulheres e dos jovens, pois ela é mulher e jovem. Por isso, os efeitos das reformas apoiadas por ela sobre esses dois grupos, não podem ser usados para questionar a defesa que a deputada faz das mulheres e dos jovens, pois Tabata é mulher e é jovem. E é por isso que ela estaria sofrendo perseguições em seu partido:

“(…) a forma como eu sou criticada é por eu ser mulher, por eu ser jovem, é por tudo isso. (…) Quando alguém diz que eu sirvo a dois senhores, isso demonstra um preconceito tão grande! Como se eu tivesse que seguir algum homem para tomar decisão! Eu tenho capacidade de estudar, de negociar, de debater… então… o que motiva pra mim, o que incomoda é essas velhas práticas da política. Agora, sempre que alguém vai criticar uma mulher na política, tem a ver como fato dela ser mulher.”

Tabata foi clara em mostrar que não precisa seguir homens para apoiar reformas liberais, sempre lembrando que “o social também é muito importante”, como frisou a deputada para estabelecer seus parâmetros do que seria a centro-esquerda a qual ela diz pertencer. Um dos poucos homens que apareceu de forma elogiosa em seu estruturado discurso foi o colega do movimento Acredito, Felipe Rigoni. O jovem deficiente visual de 28 anos, eleito pelo estado do Espírito Santo, sofreu igual constrangimento em seu partido por ter votado a favor da reforma da previdência. Apesar das dificuldades ocasionadas pela cegueira que o acometeu na adolescência, o jovem é engenheiro e cursou mestrado em políticas públicas em Oxford, também com bolsa da Fundação Estudar e, assim como Tabata, foi bolsista do RenovaBR.

Além da discordância com seu partido sobre a reforma da previdência, Felipe Rigoni acumula outra posição dissonante. Se definindo como “liberal-progressista” que, nas palavras do deputado, designariam pessoas “liberais na economia e mais progressistas nos costumes”, Felipe defende a renovação não só na política, mas também nas relações trabalhistas que estariam engessadas pelas CLT. Por isso, afirmou que a reforma nessa área aprovada no governo Temer era “boa, no geral”.

Para sua sorte, como não era deputado na legislatura passada, não foi punido como seus colegas do PSB que desobedeceram, em 2017, o fechamento de questão do partido contra a reforma trabalhista. Um deputado reincidente foi expulso em 2019, após votar também pela reforma da previdência, e Rigoni, junto a mais 8 colegas, suspenso.

Isso seria culpa da “lógica eleitoreira dos partidos” que, segundo Tabata, estaria prejudicando ela e seus colegas de movimento. Por isso, eles estariam cogitando juntar os demais infiéis da previdência para fundarem o seu próprio partido, longe dos brucutus da política tradicional. Lá, mulheres, jovens, negros, deficientes etc. poderiam defender mais a vontade a “modernização” do mercado de trabalho, a “liberdade” dos investidores, a “eficiência” das privatizações e combater os “privilégios” dos mais ricos, que ganham mais de dois salários mínimos, tudo com muita transparência na prestação de contas e prévias para escolher os candidatos. Mas não pensem que seria algo NOVO, para defender a nova política. Seria algo BOM, para defender a boa política. O partido BOM.