Trabalhismo e revolução: Um debate que não deve ser varrido para baixo do tapete

Recentemente, no dia 22 de dezembro, foi publicado um artigo aqui mesmo no Disparada, também da autoria de um trabalhista, no que parece ser uma resposta a mobilização e organização de certas bases pedetistas fortemente identificadas com o socialismo e com a concepção de revolução brasileira.
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Recentemente, no dia 22 de dezembro, foi publicado um artigo aqui mesmo no Disparada, também da autoria de um trabalhista, no que parece ser uma resposta a mobilização e organização de certas bases pedetistas fortemente identificadas com o socialismo e com a concepção de revolução brasileira.

O autor, em alguns parágrafos, argumenta ser impossível conceber a ideia de um trabalhismo revolucionário, como se tal noção fosse uma contradição inescapável.

Tal “contradição”, porém, não pareceria algo de tão absurdo assim para boa parte daqueles que viveram o Trabalhismo Brasileiro durante o século XX, como podemos perceber ao ler um trecho da entrevista concedida por Brizola para a mídia Monthly Review, em abril de 1964, que pode ser encontrado na página virtual do Jornal a Pátria, e não nos permite falseamentos:

MR – Quais são as condições necessárias para essa luta?

BRIZOLA – Organização e unidade. Nós tivemos problemas com os erros cometidos pelo partido Comunista e por Francisco Julião. Devemos, no entanto, reconhecer que Julião possui o grande mérito de ter despertado o setor mais oprimido da nossa população: os trabalhadores rurais. E nós acreditamos que todos esses erros serão superados. Nós não somos anticomunistas, recebemos bem a todos os brasileiros patriotas que venham a lutar pela libertação de seu país. O problema latino-americano tem de ser concebido como um problema de libertação nacional. Sem libertação nacional não podem existir as reformas de base porque não se resolve problema da pobreza.

MR – Como o senhor pensa a revolução?

BRIZOLA – Em primeiro lugar precisa ter unidade de todo os patriotas. É imperativo que a revolução encontre soluções socialistas. E não é uma questão de escolher uma doutrina de um livro. Somente as soluções socialistas é que permitem a defesa dos povos contra o imperialismo.
(Ele me interrompe, sorrindo, antes que eu possa fazer a próxima pergunta.)
BRIZOLA – Você vai me perguntar como cheguei a estas conclusões. Na época em que me tornei governador, eu era político convencional com todos os preconceitos habituais. Eu estava convencido de que bastava uma boa administração, trabalhar duro para melhorar a situação do povo em todos os setores. Mas eu vi que o povo trabalhava mais e melhor e, apesar disso, estava ficando pobre. Então, eu tive a compreensão do problema da América Latina em conjunto. Depois, quando tomei medidas contra determinadas companhias que nos exploravam, eu vi diante de meus olhos o problema da opressão imperialista. Olhe: é como se você e eu quiséssemos arrumar a mobília desta sala, mas alguém está carregando-a para fora. Aí chega uma hora em que não há mais mobília para arrumar. Por conseguinte, a primeira tarefa nossa é fechar a porta para impedir a espoliação.

Talvez o autor do já citado texto tomasse um susto ao perceber que, se fosse seguir tudo o que diz no mesmo, teria que repreender também o velho Leonel, o homem que mais amou o povo brasileiro, e explicar a ele, fundador de nosso partido e nosso militante modelo, quais normas ele violou.

Exatamente nesse sentido, respondendo ao colega, reforçando meu ponto proposto no texto “Caminho de ação Trabalhista – Uma estratégia para o trabalhismo revolucionário tomar a vanguarda do movimento trabalhista”, publicado aqui, e propondo ampliar ainda mais o debate sobre o tema em questão, trago ao público do portal Disparada mais uma reflexão sobre o cenário político brasileiro, escrita e publicada no começo deste ano, antes da pandemia, e adaptada como resposta ao texto em questão, pontuando sobre a necessidade do movimento trabalhista atuar da mesma forma que fazia o velho Leonel, com uma postura ambígua entre a reforma e a revolução.

Sobre a necessidade de uma postura ambígua entre reforma e revolução

Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre, não querem que o povo seja independente.

Getúlio Vargas, Carta-Testamento.

A atual situação da República Federativa do Brasil é tenebrosa e incerta. Após um longo período de 21 anos de Ditadura-Militar, que cumpriu a função-lógica de disciplinar e reprimir a classe trabalhadora brasileira sob o consenso do acordo submisso de nossa classe dominante interna com as potências do ocidente geopolítico e corporações internacionais, num contexto de “Guerra-Fria” entre os dois polos econômico-sociais do globo, o presente parece seguir rumo similar, ainda que, em diferente contexto.

Se em 1964 a intenção do movimento golpista de militares, empresários e senhores de terra, era abortar o nascimento do Brasil Social-Trabalhista das reformas de base de João Goulart, para manutenção do poder interno de nossa classe dominante, e da correlação regional de poder militar/econômico das potências internacionais no tabuleiro geopolítico, em tempo presente, a crise de 2008, que tornou a gula das potências internacionais e das corporações ainda maior, e os levantes de “Junho de 2013”, que demonstraram a chance real da ruptura da Democracia-Burguesa de fachada brasileira, em um contexto de guerra econômica entre China e Estados Unidos, foram motivo o bastante para que novamente o povo brasileiro, que lentamente vai percebendo isso, fosse colocado sob a tutela das Forças Armadas, acopladas a um projeto internacional submisso aos interesses estratégicos dos EUA.

Diante de tal contexto, a implementação do Projeto Nacional de Desenvolvimento do Partido Democrático Trabalhista, por mais louvável e avançado que este seja perante outras propostas da centro-esquerda reformista brasileira, ainda parece um “sonho” para todos os militantes socialistas que defendem a tradição do Trabalhismo Brasileiro.

Isso se dá, não por mera inabilidade das lideranças trabalhistas, tampouco pela qualidade do projeto político, visto que o PDT pode se gabar de ser o único partido político brasileiro com um Projeto Nacional de Desenvolvimento que contemple um plano de metas e transformações de longo prazo, mas sim pelas extremas dificuldades, peculiares à atual condição política do Brasil pós golpe de 2016, que enfrenta todo o espectro político da esquerda partidária.

Se as eleições em uma democracia burguesa já são, em geral, vencidas pelo dinheiro e consistem em um misto de grande cassino e teatro, como podemos ter tanta fé cega em uma vitória eleitoral em um cenário de extensa judicialização da política, demonstrados pela atuação focalizada da Lava-Jato em destruir a esquerda partidária brasileira, beneficiar os candidatos, a narrativa e a visão de mundo, de líderes políticos militaristas e reacionários?

Sobretudo quando as Forças Armadas já demonstram um elevado grau de tutela sobre a sociedade e quando já começam a se delinear elementos funestos, que apontam para o endurecimento do regime, como a adesão de praças da PM a ideologias de extrema direita, notadamente o “Olavismo”, e execução de violentos motins em nome de seus ideais e projeto político-econômico.

Seria ingênuo não nos perguntarmos:

A via eleitoral, reformista, levada de forma tola, dentro da democracia-burguesa, aparelhada por nossos inimigos de classe, é uma opção realmente possível? Não nos faltam exemplos em países vizinhos, como na Bolívia, que nos façam questionar e refletir sobre isso.
Tal pergunta deveria ser feita por todo militante associado à esquerda, mas sobretudo pelos trabalhistas, que já tem um “Projeto Nacional de Desenvolvimento”, por mais que lhe faltem importantes retoques para uma direção mais popular.

A democracia que eles querem é a “democracia” para liquidar com a Petrobrás, é a “democracia” dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a “democracia” que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.

João Goulart, no comício da Central do Brasil.

Se a resposta mais plausível for uma negativa, isso significa que é imperativa a necessidade de avançar na construção de uma teoria revolucionária e um debate sobre o conceito de poder, que contemple todo o pensamento e o acúmulo das lutas da classe trabalhadora ao redor do globo através das eras, levando em consideração teóricos da revolução do quilate de Lenin, Mao Tse Tung, Ho Chi Minh, Marighella, Luís Carlos Prestes, Che Guevara, e o próprio Leonel Brizola, que tinha sim uma reflexão sobre o tema, bem como inestimáveis teóricos da guerra, como Sun Tzu, Maquiavel e Clausewitz, compreendendo seus ensinamentos, e analisando o contexto e a realidade do Brasil no século XXI, de forma a elaborar uma teoria revolucionária que sirva aos propósitos do Trabalhismo, o caminho brasileiro para o socialismo.

Isso não significa, cabe ressaltar, um convite para o fetichismo juvenil, nem para uma luta armada mal planejada e fora de hora, mas apenas o reconhecimento de que se vivemos uma guerra política, midiática e jurídica, significa que também temos que entender muito sobre a natureza da arte da guerra, sobre o conceito de poder, e refletir sobre quais são as formas de atuação mais propícias para nossas finalidades dado o atual contexto. Ou seja, ao contrário do que afirmam alguns, pretensos “moderados”, apenas uma ação minimamente racional diante do problema que vivemos.

Se os Militares, parte do judiciário e do Ministério Público já tutelam a sociedade, e se a via eleitoral reformista parece ser teatralmente obstaculizada, lembrando a antiga República Oligárquica, de forma que os que nos tutelam facilitam a vitória eleitoral daqueles que lhes agradem e atrapalham a de representantes da agenda do povo, qual a melhor postura a ser tomada pelo movimento trabalhista e por seus militantes?

Essa não pode ser tratada como uma reflexão menor, como querem fazer parecer alguns, pois é central para nosso momento histórico.
Vivemos um ambiente em que a via eleitoral é amplamente sabotada, vejam a perseguição que sofre o prefeito pedetista de Niterói desde 2018, esta prova que a única vitória eleitoral possível que possa ser “aceita” por nossos inimigos de classe ocorre mediante imensa pressão popular. Não fosse aclamado no seio de sua comunidade e não tivesse fortes bases sociais organizadas e mobilizadas em sua defesa, não terminaria o mandato.

O caso da eleição de 2018, de forma oposta, também nos comprova isso. Tivesse Lula uma enorme base popular nas ruas, pressionando as instituições, este não teria sido impedido de concorrer nas eleições, e teria chances de vitória. Devido ao desgaste do social-liberalismo, e da extensa propaganda ultraliberal e reacionária, que culpa o Partido dos Trabalhadores, e de quebra toda a esquerda, pelos pecados de toda a aliança de conciliação de classes que envolviam quase todo o sistema político brasileiro, isso, como sabemos, não aconteceu.

Tal desgaste se deu, em parte, pois a esquerda-partidária abdicou do ideal revolucionário e transformador, e se sentiu demasiadamente confortável na cadeira de gestor local dos investimentos da banca. Algo que alguns pretensos “moderados”, em seu afã de repetir a história como farsa, parecem convenientemente não se recordar enquanto criticam um suposto viés revolucionário “sujo” em terceiros.
Ciro Gomes, importante representante atual da tradição do Trabalhismo Brasileiro sabe disso, e a despeito das virulentas críticas que sofre de um ecossistema de mídia ligado a adversários políticos na centro-esquerda, este radicaliza cada vez mais em seu discurso contra o neoliberalismo e tem chances reais de vir com força em uma possível eleição em 2022.

Ainda assim, como podemos estar tão certos de que teremos mesmo uma eleição? E se ela ocorrer, como podemos ter tanta certeza de que a coalizão que domina o poder, o dinheiro e as armas, não sabotará os resultados, ou não impedirá uma possível posse?

Até que ponto estamos dispostos a acreditar no formalismo e na ideia, e nos esquecer que na matéria e na realidade, a política é um jogo de poder e hegemonia?

Para tomar consciência da realidade de tal perigo, basta se perguntar:

“Caso ocorresse o descrito acima, seria algo inédito na história brasileira ou latino-americana? Ocorreu algo de tal natureza recentemente?”

Isso não significa dizer que nós trabalhistas devemos ignorar e abandonar a via eleitoral, nem deixar de trabalhar por ela, nem pela eleição de Ciro Gomes à presidência em 2022, ou por outros representantes de nosso projeto ao redor do Brasil, mas que estejamos preparados para todas as possibilidades do momento, por que este é um período histórico imprevisível.

Nossos caminhos são pacíficos, nossos métodos democráticos, mas se nos intentam impedir, só Deus sabe nossa obstinação.

Leonel Brizola.

Brizola nos responde como devemos nos posicionar na frase acima. A melhor postura nesse momento, enquanto costura a criação de uma estratégia que possibilite pôr seu programa em prática, é uma linha tênue e ambígua entre reforma e revolução.

É importante que se diga, todo militante Trabalhista deve ter um enorme respeito pela constituição cidadã de 1988. Ela é, em grande parte, influência direta do ideário e visão de mundo dos Trabalhistas Brasileiros. Nesse sentido, observamos nossos inimigos de classe anularem, na prática, a constituição cidadã, a “PEC do Teto de Gastos”, a “operação Lava Jato” com uma série de entendimentos jurídicos duvidosos que vão contra a constituição, e outra série de emendas e entendimentos jurídicos que ferem o próprio espírito da constituição, são um ataque quase fatal contra nossa Carta Magna.

Para piorar a situação, Jair Bolsonaro e sua turba, tendo o apoio dos militares, não se acanham em ameaçar o Supremo Tribunal Federal e o congresso.

O Presidente e seus aliados fomentam guerra- de informação, propaganda em massa e guerra-psicológica contra a população brasileira. Neste exato momento, Bolsonaro e seus aliados prosseguem com uma campanha de propaganda de mobilização contra o Congresso Federal e o Supremo, que já começou há muito tempo.

Lembremo-nos de quando logo após o impedimento da ex-Presidente Dilma, uma turba de extremistas de direita, invadiu o congresso, subiu na mesa diretora e paralisou suas atividades. Tal evento consistiu naquilo que no jargão militar chamamos de “teste de força”.

Como podemos ter certeza de que agora se sentindo empoderados no poder, estes não consigam incitar ainda mais os infelizes lunáticos e psicóticos que os seguem, e atentar ainda mais contra a Democracia-Burguesa de fachada que representa a Nova-República, atualmente respirando com a ajuda de aparelhos?

Pior, que certeza temos de que o povo se sente contemplado por esta e viria em seu socorro?

Em um contexto em que vislumbram fracasso econômico inicial, a coalizão entre classe dominante local, militares, potências estrangeiras, corporações internacionais e seus representantes no sistema político brasileiro, pode optar pelo endurecimento do regime para assegurar nosso alinhamento a um lado específico no “grande jogo geopolítico” que acontece no momento, não necessariamente sob a batuta de Bolsonaro.
O futuro é incerto, e a única certeza é que o outro lado tem pretensões golpistas.

Essa espécie de democracia (burguesa) é como uma velha árvore coberta de musgos e folhas secas. O povo pode um dia sacudi-la com o vendaval de sua cólera, para fazê-la reverdecer em nova primavera, cheia de flores e frutos.

Getúlio Vargas, 1946, discurso em Porto Alegre para comício do PTB.

A ambiguidade entre reforma e revolução se mostra central para qualquer estratégia futura do movimento trabalhista por um bom motivo:
Se este se demonstrar demasiadamente revolucionário, pelo seu tamanho e por sua importância, será abortado antes mesmo de elaborar no decorrer do processo, a teoria revolucionária e a reflexão sobre poder e hegemonia de que tanto precisa e as bases para pô-las em prática, por outro lado, se este aparentar demasiadamente reformista, no nosso atual contexto, não conseguirá mobilizar forças na classe trabalhadora, e mesmo que por um milagre consiga assumir o poder dentro dos marcos dessa democracia-burguesa avariada, será alvejado e consumido, sem as bases radicais que necessita para resistir, até ser golpeado, como a experiência histórica já nos mostrou em 54 e em 64.

Obs.: Um agradecimento especial ao camarada Thalles Campagnani pela sugestão do trecho da entrevista concedida por Leonel Brizola para a Monthly Review.

Recentemente, no dia 22 de dezembro, foi publicado um artigo aqui mesmo no Disparada, também da autoria de um trabalhista, no que parece ser uma resposta a mobilização e organização de certas bases pedetistas fortemente identificadas com o socialismo e com a concepção de revolução brasileira.